Por Evilazio de Oliveira

A modernização do transporte rodoviário de cargas no Brasil, com utilização de caminhões cada vez mais sofisticados e potentes, aliada a modernas e eficientes técnicas de gestão empresarial, estão levando o setor a uma dificuldade que, pelo menos aparentemente, já causa preocupações: a falta de motoristas capacitados para operar de maneira correta esses novos e valiosos caminhões, assim como se portarem e agirem como verdadeiros gestores de transportes. Ou seja, um novo perfil exigido pelas empresas para os seus carreteiros.

O assunto preocupa e embora não existam informações definitivas sobre o déficit de motoristas dentro desse padrão, a maioria das grandes empresas recusa muitos candidatos e os que são aprovados passam por intensos programas de treinamento para se adaptarem – ou não – ao modo de trabalho da organização. “Candidatos existem muitos, porém são poucos os que estão dentro do perfil exigido atualmente”, explica um empresário do setor.

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Paulo Fernando diz nunca ter sido recusado em empresa por falta de experiência ou por não ter determinados cursos exigidos pelas transportadoras

Além de saberem dirigir, terem feito cursos de aperfeiçoamento, curso de Movimentação de Cargas Perigosas, noções de informática e preferencialmente de espanhol, o candidato também precisa ter boa aparência, cordialidade e, claro, passar pelos inúmeros testes a que será submetido durante a avaliação no departamento de RH. O número de reprovados é grande. Justamente por isso há motoristas no trecho que nem pensam em se candidatar a uma vaga numa grande empresa. Alguns por não terem os requisitos básicos, outros pela falta de experiência comprovada em carteira e outros itens e – finalmente – por entenderem que não vale o sacrifício para uma atividade mal remunerada, perigosa e que exige muito do profissional que está ao volante.

No ano passado, Fetcesp, Sest/Senat, Escola do Transporte e o IDT (Instituto de Desenvolvimento do Transporte) realizaram uma pesquisa em 14 empresas de transportes de cargas visando identificar elementos necessários para a qualificação dos motoristas. A pesquisa mostrou as dificuldades enfrentadas pelas empresas na contratação. Os resultados revelaram que 71% dos profissionais têm grau de escolaridade insuficiente, 64% têm qualificação profissional abaixo do exigido, 64% têm saúde comprometida, 57% apresentaram perfil comportamental inadequado e metade tem vícios de trabalho não condizentes com o que as transportadoras procuram.

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Experiência comprovada é um dos principais problemas para o motorista conseguir emprego nas grandes empresas, comenta Luiz Paulo Soares

A principal preocupação é referente à exigência da experiência comprovada em carteira, uma dificuldade para muitos carreteiros, que trabalham sem nenhum tipo de registro trabalhista. O problema é para quem está começando na profissão.

O carreteiro Paulo Fernando Rodrigues da Silva, 46 anos e 20 de profissão, natural de Soledade/RS, trabalha como empregado. Está há sete anos na empresa e dirige um Mercedes-Benz ano 2.000 trucado no transporte de ferro para vários municípios do Rio Grande do Sul. Ele garante que está muito satisfeito com o trabalho. Lembra, no entanto, que já aconteceu de ficar um ano desempregado, sempre ouvindo a desculpa que “não havia vagas”, mas nunca aconteceu de ser recusado por falta de experiência ou de não ter determinados cursos, como o de Movimentação de Cargas Perigosas, por exemplo. Foi um período difícil para muita gente, mas agora a coisa está mudando, conforme salienta. Entretanto, ele reconhece, que as transportadoras estão ficando cada vez mais exigentes na admissão de novos motoristas, pois além dos cursos obrigatórios para determinados tipos de cargas, ainda querem também experiência comprovada em carteira. Paulo Fernando ressalta que é muito comum os motoristas trabalharem sem carteira assinada, além das inevitáveis dificuldades para os jovens que estão entrando na profissão e que, evidentemente, não têm a experiência solicitada. Cita o caso do filho Fernando Farias da Silva, que desde muito pequeno viajou com ele por todas as estradas, e depois, quando tirou a Carteira de Habilitação, teve muito trabalho para conseguir o primeiro emprego pela “falta de experiência comprovada”.

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Para Jaime Copatti, a falta de motoristas capacitados é o resultado da baixa remuneração, do excesso de trabalho
e da quantidade de bitrens em operação

Ele acredita que existam muitos motoristas nessas condições e por isso estão desempregados, enquanto as grandes empresas alegam falta de profissionas capacitados. Segundo ele, essas empresas deveriam criar um programa de treinamento para os novos, para que todos possam trabalhar de acordo com as exigências do mercado.

Luís Paulo Soares da Silva, 45 anos e 26 de volante, natural de Novo Hamburgo/RS, concorda que a solicitação de “experiência comprovada” se constitui num dos principais problemas para o motorista conseguir emprego numa grande empresa. Mesmo depois de ter trabalhado como carreteiro em todo o País e no transporte internacional de cargas, Luís Paulo reconhece que hoje teria dificuldades em cumprir as exigências das transportadoras. Depois de ter trabalhado durante muito tempo como empregado, há oito anos ele é dono de caminhão e, portanto, não teria como comprovar experiência recente em carteira. Ele tem um filho com 22 anos e que viajou desde os 15. Para ele não foi fácil conseguir o primeiro emprego. Acredita que com isso a classe vai ficando desqualificada, pois não havendo a oportunidade de emprego, o motorista vai se submetendo a trabalhar no que aparecer e conseqüentemente deixando de se aprimorar profissionalmente. Sem falar do lado econômico, conforme ressalta. E, como gosta de ficar perto da família, leva junto a mulher Rosa Helena, 43 anos, e a filha Débora, 23, nas viagens que faz pelo País. Débora normalmente viaja com o marido, que também é carreteiro, afinal todos são viciados em estrada e já fazem parte do painel do caminhão, conta.

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Um dos grandes problemas, lembra Éderson Augusto, são os motoristas que trabalham sem carteira assinada e nem fizeram curso algum

Na opinião do estradeiro Jaime Copatti, 55 anos e 35 de volante, a alegação de haver falta de motoristas capacitados para trabalhar nas grandes empresas é resultado da baixa remuneração, excesso de trabalho e da quantidade de bitrens que estão tirando o frete dos caminhões menores. Acredita que ninguém vai gastar dinheiro em cursos de aperfeiçoamento para ser escravo, exercendo uma atividade que não é valorizada. Ele próprio precisa fazer um curso de reciclagem a cada quatro meses, porque transporta cargas perigosas. Garante que falta incentivo para que os jovens ingressem na profissão com o perfil desejado pelos patrões, a começar pelas barreiras enfrentadas para ser admitido no primeiro emprego. “Como alguém pode ter experiência se não lhe derem a oportunidade para começar?”

Natural de Promissão/SP, município localizado a cerca de 450 quilômetros de São Paulo, o carreteiro Éderson Augusto Françoso, 25 anos e três de boléia, está no primeiro emprego e dirige um Volkswagen ano 2005. Reconhece que teve sorte, porque era conhecido do patrão há tempos, fato que facilitou a sua contratação. Lembra que atualmente estão surgindo muitas vagas para motoristas na região, com o funcionamento de dois frigoríficos e de uma usina de álcool e o conseqüente aumento na frota de caminhões. Sabe das exigências das empresas para a contratação, principalmente para dirigir os caminhões mais modernos, eletrônicos, e que muita gente nem conhece direito. Outro problema, segundo ele, é que muitos motoristas boiadeiros não têm carteira assinada, não fizeram cursos como o de Cargas Perigosas e daí tudo fica difícil. Mesmo tendo bastante experiência não podem comprová-la. Por isso – conforme raciocina – é preciso valorizar o emprego, trabalhar direito e ir aprendendo cada vez mais sobre a profissão e sobre os caminhões.

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Elgídio Seibel acredita que o motorista se faz na estrada, mas admite que os cursos de aperfeiçoamento são muito úteis

Elgídio Seibel é natural de São Miguel do Oeste/SC, tem 25 anos e cinco de profissão. Ele conta que começou a trabalhar com o pai numa oficina de ‘chapeação’ (lanternagem, funilaria), porém como não estava dando certo foi ser ajudante de caminhão. Aprendeu a dirigir, o pai pagou os custos para que tirasse a CNH e ele conseguiu o primeiro emprego como motorista numa transportadora. Mesmo acreditando que o motorista se faz na estrada, fez um curso de aperfeiçoamento avançado pago pela empresa. Muito útil, reconhece. Segundo ele, existem muitos motoristas desempregados e não conseguem as vagas porque não estão devidamente preparados. As empresas estão muito exigentes e se a pessoa não estiver dentro do “perfil” não vai conseguir um bom serviço, e acabará trabalhando sem registro ou fazendo ‘bicos’, acentua.