Por Evilazio de Oliveira

Por decisão da Justiça Federal e reafirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, encontra-se em vigor a liminar determinando que a União; Dnit (Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes); Prefeitura, Eadi/Sul – administradora do maior porto seco da América Latina; Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis) e também um posto de combustíveis nas proximidades adotem medidas preventivas a fim de evitar riscos à saúde pública em razão da grande quantidade de caminhões transportando produtos perigosos que trafegam pelo município de Uruguaiana/RS com destino à Argentina e Chile. O mérito dos recursos contra a concessão da medida liminar ainda será examinada pela 4ª Turma do TRF, porém não tem efeito suspensivo das penalidades e dos prazos impostos pelo juiz federal de Uruguaiana, Guilherme Beltrame.

A decisão da Justiça Federal é de novembro de 2006, porém o assunto encontra-se parado e nem existe ainda área definida para o estacionamento dos caminhões com cargas químicas, que continuam sendo estacionados nas ruas e outros lugares não apropriados. Vale lembrar que aproximadamente 650 cargueiros atravessam a ponte internacional que liga Brasil e Argentina, nas localidades de Uruguaiana/RS e Paso de Los Libres, do lado argentino.

2175t
Néri de Souza é a favor da construção de um pátio de estacionamento dentro das exigências técnicas de segurança

De acordo com as estimativas, pelo menos 20% desses veículos transportam produtos perigosos. Em 2003, a então procuradora federal no município, Maria Arildes dos Santos Rodrigues, fez um pedido de liminar na Justiça contra esses estabelecimentos e solicitando providências. De acordo com o relato da procuradora, à época, “não havia estrutura adequada para fiscalização, sinalização específica e segurança para os caminhões que transportam cargas perigosas, com grave risco à saúde pública e ao meio ambiente face ao trânsito desses caminhões no porto seco, ruas, avenidas e estradas que dão escoamento a tais cargas”.

Agora, conforme a liminar do juiz Guilherme Beltrame, a Prefeitura poderá proibir, sinalizar e fiscalizar o trânsito desse tipo de carga na via urbana e asfaltar o acesso da BR-290 ao porto seco. O Dnit, por sua vez, deverá estabelecer uma rota obrigatória para acesso à ponte internacional, programar uma área específica para estacionamento e pernoite e fazer o levantamento do número de veículos com produtos perigosos que transitam diariamente pela cidade.

2172t
Caminhões com vários tipos de cargas estacionados um do lado do outro é um risco em caso de vazamento, comenta Delci Miranda

O diretor-administrativo da ABTI (Associação Brasileira de Transportadores Internacionais), José Carlos Becker, afirma que é necessário bom senso para tratar desse assunto. “Parece que estão querendo transformar Uruguaiana numa bomba atômica, prestes a explodir, quando em 30 anos aconteceu apenas um acidente envolvendo produtos perigosos”. Acredita que é preciso estabelecer normas mais fl exíveis com a prefeitura, Ibama, Fepam (Fundação Estadual do Meio Ambiente) e Ministério Público, na tentativa de um acordo que seja razoável para todos.

Segundo ele, deveria haver mais conscientização dos motoristas para a obediência das normas, pois como há os bons há também os maus, referindo-se a motoristas de caminhões com produtos perigosos e que deixam os veículos na via pública quando pernoitam na cidade. Becker defende a criação de um pátio de estacionamento a ser construído com a colaboração da prefeitura e de todos os envolvidos no transporte rodoviário de cargas. “Um pátio totalmente seguro e obedecendo todas as especificações técnicas”, sugere.

2176t
Existem poucos postos que dispõem de área especial para o estacionamento de caminhões com cargas químicas, diz Sérgio Miguel

O presidente do Conselho do Meio Ambiente de Uruguaiana, professor Airton Batista Santos, acredita que as discussões sobre o tema estão se encaminhando ao ponto certo e para uma solução satisfatória. Reconhece a vantagem de haver uma área específica para o estacionamento desses veículos, além das outras determinações da Justiça. Mas, lembra que são necessários muitos estudos para definir os tipos de cargas, localização dos veículos, quais as cargas mais perigosas e que oferecem maior risco se misturadas em caso de acidente. Ele conclui que todos estão trabalhando, cada um na sua área, para resolver o problema da ameaça de acidentes graves com produtos perigosos, em Uruguaiana, embora reconheça que “esse é um assunto complexo e que ainda promete render muito”.

Cauteloso, o presidente do Sindicato dos Condutores de Veículos Rodoviários e Transportadores Autônomos de Uruguaiana, Néri Souza de Oliveira, também admite que o assunto é complexo. Lembra que nunca aconteceram acidentes com produtos perigosos no município, mesmo assim defende uma ampla discussão no setor e a participação de todos na busca de maior segurança para a atividade. Ele é a favor da construção de um pátio de estacionamento dentro de todas as exigências técnicas de segurança e o atendimento das determinações da Justiça, mas de uma maneira adequada, inclusive pelos altos custos financeiros que envolvem essas mudanças na atual infra-estrutura, conforme sugeridas.

2174t
Há quase dois anos no transporte de produtos perigosos, João de Souza admite que este não é o tipo de trabalho que gosta de fazer

Na opinião do carreteiro Delci Miranda de Lima, 61 anos, 38 de estrada e há 10 no transporte rodoviário de cargas químicas – a área para o estacionamento de caminhões com cargas perigosas na Eadi/Sul, denominação do porto seco de

Uruguaiana, se constitui numa verdadeira bomba atômica pelo fato de permitir que caminhões com vários tipos de cargas químicas estacionem lado a lado. Lembra que os produtos podem ser incompatíveis entre si e num eventual vazamento o resultado poderia ser trágico. Segundo ele, todas as cargas são perigosas, porém a diferença está nos produtos transportados. “Esses sim, são perigosos, por isso merecem toda a atenção do motorista e também dos condutores de veículos de passeio, que devem evitar a proximidade dos caminhões”.

2173t
João Carlos de Paulo diz que apesar da fi scalização na Argentina não existe estacionamento para caminhões com produtos perigosos

Na ocasião, Delci levava uma carga de produto corrosivo do Paraná para Rosário, na Argentina. Costuma dirigir até às 10h da noite e faz as paradas em lugares que considera seguros, sempre afastado de outros veículos. Reconhece a falta de locais específicos para o estacionamento de caminhões com produtos perigosos e lembra dos postos Santa Lúcia, em Panambi/RS e o Pillon, em Uruguaiana/RS. Todavia, todos esses caminhões entram nas filas da aduana, junto com os demais cargueiros, sem diferença. Depois estacionam na área reservada para produtos perigosos, mas que não oferece segurança, diz ele.

Para Sérgio Miguel Vaz, 40 anos de idade, 21 de profissão e há seis no transporte internacional de produtos químicos, a maioria dos postos de combustíveis não dispõe de área especial para o estacionamento de caminhões com esse tipo de carga, talvez pelo alto custo para construir uma infra-estrutura de acordo com a legislação. Por isso, cabe ao motorista escolher os melhores locais para as paradas, cuidando das normas básicas de segurança. Acredita que a fiscalização das autoridades de trânsito no Brasil e na Argentina é semelhante, cabendo, portanto, a responsabilidade em sempre procurar lugares seguros para estacionar, nunca na via pública ou em locais muito movimentados.

locais muito movimentados. Aos 53 anos de idade e 30 de volante, o paranaense João Souza Santos está no transporte de produtos perigosos há cerca de um ano, e confessa que não é o tipo de trabalho que gosta de fazer. “É muita complicação, muito esquema, check- list, lugares especiais para estacionar, carregar, descarregar…” Ele também atua no transporte internacional e cuida para que o caminhão esteja em condições, de acordo com as exigências das empresas que carregam os produtos ou das polícias rodoviárias. Como os colegas, João Souza enfrenta as filas na Eadi e nas aduanas junto com os demais cargueiros. “Mesmo que façam uma área especial para o estacionamento durante a noite ou para esperas mais demoradas, como é que fica na hora de liberar a documentação, vamos ter uma fila especial para produtos perigosos”, pergunta ele.

Outro carreteiro, João Carlos de Paulo, 41 anos de idade e 23 de trecho, acredita que todas as viagens seguem dentro da normalidade, com os cuidados de sempre em termos de manutenção do caminhão, ao dirigir e estacionar em locais que considera seguro. “Enfim, tudo dependendo do bom senso de cada motorista e das orientações das empresas”. Lembra que na Argentina, apesar da fiscalização da polícia caminera, não existem restrições para o estacionamento de caminhões transportando produtos perigosos. “Pode-se parar onde quiser”, assinala.