Por João Geraldo

Na condição de passageiro, e confortavelmente acomodado dentro da cabine – como se estivesse em um escritório sobre rodas – o carreteiro desempenha outros trabalhos, resolve problemas e compromissos, enquanto o caminhão viaja por conta própria, sem ninguém ao volante. Como uma máquina inteligente e que sabe o caminho que deve seguir, a composição viaja de forma autônoma e realiza todas as manobras necessárias que forem surgindo no percurso, além de a vantagem de receber, antecipadamente, informações sobre as condições da estrada e do fluxo de veículos, entre outras, proporcionando mais agilidade, economia de combustível durante a viagem e segurança, já que na Europa 90% dos acidentes são erros do condutor.

Embora a descrição acima tenha elementos e ares de um filme de ficção, daqueles em que as máquinas fazem tudo independente do toque humano, sugerindo um possível futuro do transporte rodoviário de cargas, o caminhão autônomo, acima descrito é uma realidade. Trata-se do Mercedes-Benz Future Truck, protótipo previsto para entrar em atividade dentro de 10 anos operando em percursos de longas distâncias.

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Sistemas eletrônicos que incluem radares e sensores, além de outras tecnologias, permitem que o caminhão trafegue com segurança

Praticamente pronto, pois já superou a fase de desenvolvimento, conforme afirmam técnicos da Daimler, o caminhão do futuro foi apresentado pela primeira vez à imprensa para um grupo de jornalistas – com cerca de 300 profissionais de 32 países – no início de julho, em trecho da rodovia A14, próxima à cidade de Magdeburg, na Alemanha. Desenvolvido sobre o chassi, cabine e trem de força do novo Actros na versão 1845 (com motor de 450cv e caixa de câmbio totalmente automatizada de 12 velocidades). Durante a apresentação o veículo trafegou em velocidade de 85km/hora mantendo distância segura dos demais veículos em
movimento na estrada.

O caminhão, previsto para o ano de 2015, reúne diversas tecnologias já existentes em veículos comerciais e de passeio da marca Mercedes-Benz. Apesar de o caminhão trafegar sozinho após ser programado, toda a tecnologia embarcada já existente não dispensa a presença do motorista na cabine, o qual ainda terá de intervir e assumir o controle do veículo em operações de manobras e também em certas situações do tráfego urbano, por exemplo. A expectativa é de que com a chegada do caminhão autônomo o carreteiro passará de operador da máquina a um gestor qualificado.

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Previsto para 2025, o primeiro protótipo do caminhãodo futuro foi desenvolvido sobre o chassi do novo Actros que já roda na Europa

Quando o motorista passa o veículo para o modo autônomo (com a informação “Highway Piloto Ativo” no painel), ele poderá girar seu assento na posição de 45 graus, para o lado direito, e deixá-lo seguir viagem. Executivos da Daimler Trucks reforçam que o posto de condução do caminhão do futuro terá um console central similar a estação de trabalho de um escritório, no qual ele terá à disposição um tablete para executar outras atividades e com maior liberdade de movimentos, além de comunicação facilitada.

Mas como um caminhão consegue andar sozinho, identificar a presença de outros veículos na pista, fazer curvas, parar e seguir? Vale lembrar que há anos já existem sistemas que ajudam os motoristas na condução, tais como controle de distância do veículo da frente, leitores de faixas das rodovias, mapas digitais, controle de estabilidade e dispositivos que permitem ao veículo andar e parar de forma autônoma. A resposta é a tecnologia.

No protótipo apresentado, o caminhão opera com uma combinação de sensores de radar instalado na parte frontal inferior, do lado de fora da cabine, para explorar e rastrear o campo à frente do veículo em curta distância (70 metros de alcance e ângulo de 130 graus de abertura) e longo (250 metros e abertura de 18 graus). Este dispositivo toma por base equipamentos já disponíveis no Actros, tais como o sistema de controle de proximidade e o servofreio de emergência.

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Apesar do veículo de carga ter capacidade de trafegar de modo autônomo, a presença do motorista na cabine é indispensável

Uma câmera estereoscópica com alcance de 100 metros, que cobre uma área de 45 graus na horizontal e 27 graus na vertical, instalada sobre o painel de instrumentos – atrás do para-brisas – identifica uma ou duas pistas, pedestres, obstáculos e outros objetos parados ou em movimento dentro da área monitorada, além das características da pista de rolamento. Essa câmera reconhece tudo que se distingue do fundo, para que ela possa calcular com precisão o espaço livre disponível, além de registrar as informações dos sinais de trânsito.

O reconhecimento da pista, junto com a detecção de objetos e do espaço livre, são itens essenciais para a orientação do veículo autônomo. O monitoramento dos lados esquerdo e direito da estrada é feito através de sensores de radar instalados nas laterais do caminhão, os quais têm alcance de 60 metros. Montados em ambos os lados do caminhão, à frente do eixo dianteiro do cavalo-mecânico, os sensores cobrem um raio de 170 graus, operam interconectados em rede e geram uma imagem completa do entorno do caminhão, identificando e reconhecendo todos os objetos estáticos ou em movimentos.

Em futuro próximo, os meios eletrônicos do veículo possibilitarão, além da comunicação com outros motoristas durante o percurso, para encontrá-los em áreas de descanso, como também reservar vagas em estacionamentos e postos de serviço, banho, até encomendar a refeição informando a hora de chegada ao local e consultar informações sobre as condições do trânsito, carga e descarga entre outros.

Trabalho realizado na Alemanha com 1000 caminhões equipados com sistemas eletrônicos mostrou, após milhões de quilômetros rodados, que a tecnologia reduziu em um terço o número de ocorrências. Diante dos números, motoristas e frotistas aprovaram o uso da tecnologia. De acordo com Wolfgang Berhard, executivo responsável pela Daimler Trucks e Buses, nos últimos 30 anos os veículos ganharam eficiência e reduziram o consumo de combustível na média de 60% por tonelada transportada e sugere que no caminhão do futuro a rentabilidade e a economia serão mais importantes do que o prazer de dirigir.

Na visão de Sabina Jeschke, professora e diretora do Instituto de Gestão de informação da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Técnica de Aachen, certos desenvolvimentos apresentados nos últimos dois anos marcam o início de uma nova era, da inteligência artificial, com interconexão de trabalho em rede em grande escala. De acordo com ela, este desenvolvimento assume um papel especial na chamada “Internet da Coisas”, nos quais os participantes não são mais apenas as pessoas, mas também objetos como sensores de estacionamento, estações meteorológicas, computadores de processamento de dados na arte da produção e outros sistemas que interagem diretamente com o seu ambiente. “O caminhão do futuro Mercedes-Benz 2025 e seu sistema “Highway Pilot” são uma resposta coerente e perto da realidade deste desenvolvimento, pois são capazes de comunicar com o seu ambiente e de condução de forma autônoma”, conclui, dizendo que a telemática e os sistemas de assistência ao condutor já disponíveis atualmente abriram caminho para esta inovação. O jornalista João Geraldo viajou à Alemanha a convite da Mercedes-Benz.

Tecnologia necessária no futuro

A secretária de estado do Ministério do Transporte da Alemanha, Katherina Reiche, diz que na Europa, a meta é utilizar cada vez mais os sistemas inteligentes no segmento do transporte rodoviário de cargas, com destaque para antever a situação do trânsito, além de outros benefícios. “O motorista do futuro vai precisar da tecnologia dos caminhões”, acrescenta.

Levantamento do Serviço de Estatística da União Europeia Eurostat, realizado em 2012, apontou participação de cerca de 76% do transporte rodoviário de todas as cargas movimentadas na União Europeia. No relatório World Transport Reports, especialistas da consultoria Suiça ProgTrans estimam aumento de 20% entre 2008 e 2025. Outras fontes apontam crescimento de 50% da demanda atual até o ano de 2050. Especificamente na Alemanha, segundo o “Prognóstico de Tráfico 2030” publicado recentemente, o Ministério Federal Alemão espera um crescimento de 39% no volume de cargas transportadas por caminhão.

Mesmo diante de tanta tecnologia , certos problemas persistem no mundo moderno, como a redução nos investimentos cada vez menores em infraestrutura de tráfego. Uma estatística aponta que em 1970 a União Europeia investiu 1,5% do produto interno bruto, mas atualmente é apenas a metade deste percentual. Em 2012, as retenções em estradas da Alemanha atingiram a 600 mil quilômetros de extensão e os motoristas perderam 230 mil horas em congestionamentos. Em certos trechos de maior movimento, em rodovias, a circulação diária atinge mais de 200 mil caminhões. (JG)

Custo do transporte

Outros fatores apontados como encarecedores s do transporte rodoviário de mercadorias na Europa, além da sobrecarga da infraestrutura é o preço do combustível , o qual mostra tendência de alta. Além disso, os caminhões estão cada vez mais caros devido à introdução de requisitos legais, como a entrada do Euro VI a partir de janeiro de 2014. Os transportadores já contam também com a obrigatoriedade do programa de eletrônico de estabilidade, um avançado sistema de frenagem de emergência denominado AEBS e o sistema de aviso de mudança de faixa (LDWS), ambos a partir de 2015.

O professor do Instituto Fraunhofer de Fluxo de Materiais e Logística, Uwe Clausen, comenta que devido à tecnologia (no futuro o caminhão será um elemento no sistema de transporte e não veículo apenas). Porém ele destaca que para aproveitar a tecnologia é preciso ter a legislação. “Os governos da Europa estão ouvindo associações e outras entidades para criar condições para que as inovações se tornem realidade”, diz, acrescentando que existem protocolos em andamento.

Ele destaca que “o motorista tem de estar sempre a bordo do caminhão pois ele é decisivo”, e lembra que as empresas estão enfrentando problemas para contratar profissionais e cita, entre outras barreiras, o salário relativamente baixo, a ausência da vida familiar e o baixo status da profissão. (JG)