Por Fernanda Schena

Encontrar motorista de caminhão que adotou a profissão do pai ou de algum parente é fato comum na estrada. Porém, existem casos que praticamente toda a família adere ao ofício estradeiro, ao ponto de – em certas regiões do País – o sobrenome da pessoa arremeter à profissão de carreteiro. Um desses casos é o da família Machado, de Tio Hugo, município ao Norte do Rio Grande do Sul, com pouco mais de 2.700 habitantes, segundo dados do censo de 2010.

O envolvimento da família Machado com a profissão e a estrada teve início com Paulo Clair Machado, filho mais velho do agricultor Florentino Calixto Machado. Paulo começou a dirigir caminhão em 1983 e lembra que na época tinha 23 anos de idade e a profissão dava muito lucro. Para ele que tinha estudado até o primeiro ano do ensino médio, era uma boa opção. “Foi uma alternativa que achei possível de encarar com o estudo que eu tinha. As condições também eram boas antigamente. Hoje tudo é mais complicado”, avalia.

Hoje, aos 52 anos de idade e 29 na profissão, diz sentir orgulho de ver seus dois filhos, e também seus grandes amigos, Calixto Roberto de Góis, 29 anos, e Rodrigo de Góis Machado, 22, na estrada. O irmão de Paulo, Valmor Machado, também trabalhou como carreteiro, mas já está aposentado.

6464t
Assim como Paulo Machado, seus filhos Calixto e Rodrigo também atuam na profissão de carreteiro

Paulo já percorreu as regiões Centro-Oeste e Nordeste, mas hoje roda em média 8 mil quilômetros por mês e só dentro do Rio Grande do Sul. “Na maioria das vezes carrego grãos, geralmente soja, para Canoas/RS, e volto com adubo, ferro e até mesmo açúcar, para os municípios da região, Carazinho, Passo Fundo, Erechim, Lagoa Vermelha”, conta.

Seu Florentino – também conhecido com Listo -, hoje com 75 anos de idade, nunca se firmou como carreteiro, pois seu negócio, conforme reconhece, é a agricultura. Listo já cultivou aveia e milho, hoje optou pela soja e trigo. A sua paixão é pelo campo, terra e seus cultivares, além do tradicional chimarrão. Seu primeiro caminhão vendeu para o neto, Calixto, há cerca de sete anos. Em seguida comprou outro, que atualmente está com o neto Rodrigo Góis. Mas ele tem outra paixão, essa incondicional: escutar o barulho dos caminhões chegando e saber que a viagem foi boa. “Ver meu filho e meus netos saindo e chegando em seus caminhões, sempre sorrindo, me deixa feliz”, revela.

Calixto Roberto de Góis, filho mais velho de Paulo, hoje com 29 anos de idade e sete de profissão, acrescenta que desde muito pequeno tem um carinho especial por caminhão e estrada, pois gostava de viajar com seu pai e estar sempre perto de um caminhão. “Era um sonho, e hoje, mesmo com as dificuldades do dia a dia, o melhor de ser carreteiro é saber que somos a engrenagem principal que movimenta o País”, orgulha-se.

6466t
Fernando Pacheco acompanhava o pai, Alberi, desde pequeno nas viagens e seguiu a profissão de motorista de caminhão

Ele chegou a estudar filosofia em uma universidade e seu primeiro emprego foi na Prefeitura de Tio Hugo. Trabalhou também na Perdigão do município de Marau/RS, na lavoura do avô Listo e no aviário de um tio, até arrumar vaga em uma empresa da região como motorista de caminhão. “Sabia que a estrada era a minha paixão e fui em busca do meu sonho”, conta o jovem carreteiro, que trabalha como autônomo e faz a mesma rota do pai.

Apesar de estar trabalhando na profissão que sempre foi o seu sonho de menino, as dificuldades da estrada o fazem pensar em futuramente desistir da atividade. “As empresas liberam as cargas tarde e com horário para chegar. Às vezes precisamos viajar a noite inteira para não haver descontos no frete. Além disso existe demora no pagamento, muitas vezes de até 20 dias”, reclama Calixto.

Influenciado pela paixão do irmão, Rodrigo de Góis Machado, 22 anos, concluiu o segundo grau e começou a trabalhar. Hoje comemora por estar na estrada há um ano e não pensa em parar tão cedo. “É uma alegria ser carreteiro pelas amizades que a gente faz, pelos lugares diferentes que a gente conhece. Esses motivos compensam a saudade de casa”, diz o jovem, que casou-se recentemente, mas assim como o irmão ainda não tem filhos.

Com história parecida com a do irmão Calixto, Rodrigo trabalhou por um ano em um frigorífico, depois em um posto de combustível e no restaurante de um tio. “Deixei o restaurante do meu tio assim que completei a idade para tirar a CNH para caminhão, então meu avô Listo que estava sem motorista no seu caminhão me ofereceu trabalho, para que eu pudesse realizar a minha vontade de ir para estrada”, lembra Rodrigo, que trabalha como empregado do avô na mesma rota do pai e do irmão.

A esposa de Paulo e mãe de Calixto e Rodrigo, Maria Aparecida Vieira de Góis Machado, conta sobre a sua emoção em ser esposa e mãe de motorista. “Trato isso com muito carinho, admiração e orgulho, pois essa é a profissão que eles escolheram e valorizam. O Calixto e o Rodrigo sempre admiraram o trabalho do pai e desde pequenos diziam que era essa profissão que queriam seguir. Ser esposa e mãe de carreteiro é estar sempre cultivando essa rotina, com muito amor, é o mesmo cuidado que temos com uma planta, devemos regar todos os dias. Peço sempre para que Deus e a Virgem Maria proteja e ilumine-os em todos os lugares em que se encontram viajando”, relata Maria Aparecida.

Hoje, enquanto Maria Aparecida fica em casa com o filho menor, Rafael, os três seguem na estrada, viajando muitas vezes juntos. “Estar os três juntos é uma sensação muito boa, porque somos grandes amigos e parceiros para qualquer problema que possa acontecer na jornada de trabalho. Já fizemos muitas viagens juntos e a diversão é certa”, finaliza Paulo.

Outra história é a do carreteiro Alberi Pacheco de Miranda, 55 anos da cidade de Ibirapuitã, na região de Tio Hugo. Filho de agricultores, ele começou a pegar a estrada com 19 anos de idade, após ter estudado até a quarta série, enquanto seus seis irmãos trabalhavam na lavoura dos pais. “Um cunhado meu também motorista de caminhão, me ensinou a dirigir e naquele tempo era mais fácil para quem não tinha estudo trabalhar com esta profissão”, lembra Alberi.

Durante sete anos, Alberi levou o filho Fernando e sua esposa Loreni em todas suas viagens, em um Mercedes 1113. Conta que a rota mais comum era Mato Grosso e Paraguai. Hoje, em sua Scania 113, com 36 anos de estrada, percorre os Estados da região Sul e Mato Grosso, chegando a ficar um mês longe de casa, transportando soja, adubo, milho e carga a granel.

Seu filho, um apaixonado pela profissão, faz viagens um pouco mais longas, as quais o mantém na estrada pelo período de 15 a 20 dias. “Viajo sempre para Aparecida de Goiânia/GO e de lá carrego de volta para o Rio Grande do Sul”, diz Fernando Pacheco de Miranda, 29 anos, casado com Ana Greice e pai de Eduardo.

Alberi diz que chegou a oferecer estudo ao filho, mas a paixão do jovem pela profissão falou mais alto. “Está no sangue, não tem jeito”, brinca o pai, contando que o filho foi aprovado em uma universidade para cursar engenharia mecânica na época, mas não prosseguiu. “Minha paixão vem desde pequeno”. Salientando que, as melhores viagens eram para o Paraguai, quando ganhava uns carrinhos novos. “Toda viagem era uma diversão e, eu sempre descobria novas aventuras. E continua sendo assim até hoje, pois essa profissão nos rende grandes amizades, podemos conhecer diferentes culturas pelos lugares onde passamos e provar a comida de cada lugar”.

Para Alberi, que ajudou a fundar e foi o primeiro presidente da AMPI – Associação dos Motoristas Profissionais de Ibirapuitã, só quem é carreteiro sabe o orgulho e respeito que se tem pela profissão e a admiração por todos os colegas que estão na estrada.