Por Evilazio de Oliveira

Houve um tempo em que as viagens para a Argentina eram lucrativas para os transportadores autônomos brasileiros. Isso até a primeira metade do ano 2010, pouco antes do agravamento da crise econômica que atingiu o país e culminou com a declaração de uma moratória da dívida externa em 2011, conforme explica o presidente do Sindicam (Sindicato dos Transportadores Autônomos de Bens Nacional e Internacional de Uruguaiana), José Regazzon. Ele lembra que a partir dessa época, os custos aumentaram muito, em termos de combustíveis, alimentação, pedágios e as inevitáveis multas a que são submetidos os carreteiros brasileiros por motivos banais. E, também pelas barreiras comerciais que repetidamente impedem a entrada de determinados produtos. Regazzon destaca, também, que com a nova Lei do Motorista no Brasil, as viagens diminuíram em 50%, com idêntica redução no faturamento dos autônomos.

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Os custos aumentaram muito para os carreteiros brasileiros que rodam na Argentina, diz José Regazzon, do Sindicam de Uruguaiana

Graduado em Comércio Exterior e atuando como representante de empresas de transportes internacionais há 18 anos, o argentino Eduardo Chavez, 37 anos, residente na cidade de Córdoba/AR, considera que a atual política econômica da presidente Cristina Kirchner, travando importações com a ideia de cuidar da produção nacional, é um absurdo, ainda mais se tratando do Brasil, um País com enorme influência no Mercosul. Segundo ele, esses sucessivos entraves à entrada de produtos brasileiros na Argentina têm prejudicado enormemente o transporte internacional de cargas, citando como exemplo a redução de 20% na quantidade de caminhões que circularam em Córdoba no ano passado. Além disso, os combustíveis na Província são os mais caros de toda a Argentina, em razão de imposto extra criado recentemente para financiar a manutenção das rodovias. Chavez salienta a importância da região para o transporte internacional de cargas, sobretudo por sediar grandes montadoras de veículos e empresas de auto peças. O comércio de exportação e importação com o Brasil é muito grande”, acentua. Lembra que devido às dificuldades decorrentes das barreiras à importação de determinados produtos, condições das estradas e altos custos dos combustíveis, muitos carreteiros autônomos brasileiros estão evitando viajar para a Argentina, preferindo trabalhar no Brasil, onde ganham o mesmo valor e sem transtornos.

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Entraves à entrada de produtos do Brasil na Argentina reduziram em 20% a quantidade de caminhões no país, afirma o argentino Eduardo Chavez

É o caso do carreteiro Antônio Rinaldo Morgado, 44 anos, 22 de profissão. Ele prefere trabalhar no Brasil como empregado e com carga certa, o que não impede que também tenha muitos incômodos no dia a dia. Natural de Apucarana/PR, ele transporta açúcar da Usina de Alto Alegre, no município de Colorado/PR para Uruguaiana/RS, e retorna com arroz em casca. Nunca quis trabalhar no transporte internacional, embora com a possibilidade de ganhar mais, por saber das dificuldades para liberação de carga na aduana, problemas com as polícias rodoviárias e pelo tempo de duração das viagens, quase sempre demoradas. Lembra que até 2004 e 2005 foi bom trabalhar nesse trecho, porém agora tudo está difícil, a começar pelo tempo para descarregar nos mercados. Outro problema é o constante fechamento das estradas pelos chamados movimentos sociais, onde até mesmo a polícia rodoviária faz bloqueio das vias. Queixa-se, também, dos altos custos dos combustíveis, pedágios, insegurança e, por fim, da Lei do Motorista, que certamente vai complicar.

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Antônio Rinaldo Morgado já dirigiu em rodovias argentinas e hoje prefere rodar pelo Brasil e sem os conhecidos problemas enfrentados nas rotas internacionais

Com três caminhões no trecho, e há cerca de 35 anos no setor de transportes, José da Silva Almeida, 66 anos, natural de Cruz Alta/RS – e atualmente residindo em Uruguaiana/RS -, preocupa-se com o futuro da atividade do motorista autônomo. Segundo ele, os carreteiros autônomos representam 2/3 do transporte nacional e internacional. “Estamos profundamente tristes e preocupados vendo os nossos caminhões ficarem velhos, sucateados e sem podermos dar a assistência técnica necessária”, afirma. E ressalta que comprar caminhão novo é apenas um sonho. “O nosso frete é uma vergonha, a frota está sucateada, as leis não ajudam em nada, exigem de tudo e até são prejudiciais”. Lembra que num recente protesto de motoristas de caminhão, eles foram proibidos de fazer bloqueios de estradas, porém, ironicamente, são os próprios policiais rodoviários, fiscais aduaneiros, funcionários públicos federais que fazem greve e emperram o trânsito dos caminhões nas aduanas e nas estradas, causando sérios prejuízos à categoria. Ao final, José Almeida faz um apelo à presidente Dilma Rousseff e às autoridades do governo para juntos, tentarem endireitar essa “carga” que – garante, está muito torta.

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Para José da Silva Almeida, as greves de policiais rodoviários e de funcionários públicos emperram trânsito de caminhões nas estradas e aduanas

O carreteiro Alex Moreira Rodrigues, 38 anos e seis de volante, natural de Lavras do Sul/RS, dirige um Volvo 98 de Uruguaiana/RS para o Chile transportando cargas em geral. Tem opinião de que o maior causador de transtornos na viagem são as longas esperas nas aduanas e a travessia do território argentino por causa da implicância que os policiais rodoviários daquele país parecem ter em relação aos motoristas brasileiros. Diz que eles multam por qualquer coisa, chegam a deitar sob o caminhão à procura de alguma coisa que possa ser considerada infração. Com os pneus é um terror, acentua, pois qualquer cortezinho é pretexto para multa. Tanto que na planilha de custos do carreteiro que trafega pela

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Os maiores transtornos são causados pela demora nas aduanas e implicância dos policiais rodoviários nas estradas da Argentina, afirma Alex Moreira Rodrigues

Argentina já estão previstos valores para o pagamento de multas. Além disso, é preciso conviver – no Brasil e Argentina – com as constantes restrições ao trânsito de caminhões em determinados horários ou fechamento de estradas por grupos de pessoas que fazem algum tipo de protesto. “Por qualquer coisa fecham-se as estradas”, lamenta. Mas Rodrigues confia no futuro e espera que tudo se ajeite com o tempo. “Quem sabe, com essa Lei do Motorista, as coisas comecem a melhorar”.

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Restrição de horários para o tráfego de caminhões, sem a devida infraestrutura nas margens das rodovias ajuda a gerar estresse, acrescenta Márcio Rodrigues Huppes

Na opinião do estradeiro Márcio Rodrigues Huppes, 36 anos de idade e sete de profissão, natural de Três Passos/RS -, a cada ano fica mais difícil trafegar pelas estradas argentinas. Lembra que além das barreiras impostas a determinados produtos, que obriga os carreteiros a esperar de três ou quatro dias nas aduanas, também existem os constantes “paros ” (greves) de funcionários federais, a verdadeira indústria de multas nas estradas, e na época de Verão as restrições de horário para o tráfego de caminhões, sem a devida infraestrutura para estacionamento nas margens das rodovias. Tudo isso, segundo ele, vai gerando um enorme estresse, que ao final acaba prejudicando a saúde do motorista e até mesmo a segurança ao dirigir. Huppes trabalha como empregado, dirigindo pelas estradas do Brasil, Uruguai, Argentina e Chile, transportando “de tudo um pouco”. Nos últimos tempos tem viajado com mais frequência para o Chile. Segundo ele, esses transtornos de espera e restrições ao horário de trafegar nas estradas argentinas e nem mesmo as multas, chegam a afetar o seu rendimento financeiro porque trabalha como empregado. Destaca, todavia, o enorme desgaste psicológico resultado das grandes esperas e a angústia e impotência ao ver um policial rodoviário e saber que vai ser multado injustamente, sem nada poder fazer. E, embora o seu salário esteja garantido no final do mês, também pensa no patrão e nos prejuízos que ele tem com “essas barbaridades”, desabafa.