Por João Geraldo

As montadoras brasileiras sabem fazer caminhão. Disso ninguém duvida. Da mesma maneira como a indústria brasileira de reforma de pneus se destaca mundialmente como uma das melhores do mundo – senão a melhor – pode se dizer que a mesma situação acontece com os fabricantes de veículos de carga. Nos dois casos, a qualidade dos produtos se deve aos mesmos fatores: condições gerais das estradas e modo como é usado, item nos quais se incluem alta velocidade, sobrecarga, manutenção irregular e baixa qualidade do combustível disponibilizado no País. “Caminhão produzido e validado no Brasil pela Iveco pode rodar em qualquer parte do mundo”, afirma Marco Liccardo, diretor de engenharia de produto da empresa, na fábrica de Sete Lagoas/MG. Ainda de acordo com ele, testes demonstraram danos em componentes em proporção de até 20 vezes maiores em relação aos veículos que rodam na Europa.

Para compreender um pouco como é o ciclo de criação e desenvolvimento de um caminhão da marca, desde a concepção da ideia ao produto final, é preciso passar por onde tudo tem início, o Centro de Desenvolvimento de Produto (CDP). Conforme explica Ricardo Coelho, gerente de validação do produto, o caminhão nasce como uma lista de desejos do mercado, em trabalho feito pela área de marketing de produto. Com esta lista em mãos, o pessoal da área técnica entende o que o mercado quer e a engenharia avançada entra em campo. Calcula e faz o “desenho” do produto em computadores, com programas que possibilitam ver o projeto em detalhes, dentro das especificações exigidas.

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Testes de rodagem em pista de pot hole submete o veículo milhares de vezes a todo tipo de torção, vibração e outras situações para medir durabilidade e resistência de componentes

O passo seguinte é dado pela Engenharia de Desenvolvimento. Esta atua em quatro etapas: trem de força, cabine, chassi e parte elétrica, de onde gera o primeiro layout do futuro caminhão e também desenhos das peças para sua produção. A fase seguinte é com o pessoal da Validação do Produto, cujo trabalho é transformar todos os desenhos em realidade. Técnicos especializados neste tipo de trabalho constroem – de forma artesanal – todos os protótipos do projeto e começam a dar forma ao novo produto. “Tudo nasce no protótipo. Não existe caminhão em produção sem ter sido um protótipo, e um scanner a laser confere se ele é montado conforme o projeto”, acrescenta Coelho.

Nesta fase, muitas das futuras peças do caminhão são modeladas pela equipe da Engenharia de Desenvolvimento. Para Ricardo Coelho, desta maneira se tem certeza de que as peças projetadas no computador vão funcionar na prática. Depois de finalizado, o protótipo vai para o teste de laboratório, onde simuladores promovem testes acelerados do desgaste das peças. Até a maçaneta das portas é acionada centenas de vezes ao dia, por uma máquina, para testar sua durabilidade. Na prática, são três tipos de validação do protótipo: homologação do produto (junto ao governo), testes funcionais e durabilidade.

Em todas as fases de testes, os protótipos operam instrumentados com sensores ligados às peças para medir todos os tipos de esforços, em diferentes tipos e condições de rodagem. Nesta etapa, os protótipos passam pelas mãos de 40 motoristas, profissionais com treinamento em direção defensiva, mecânica e eletrônica básica, movimentação de cargas, psicotécnicos e até aulas de cidadania. O preparo todo, explica Ricardo Coelho, se deve à necessidade de se ter motoristas bons e conscientes do tipo de trabalho que estão realizando.

Pronto para qualquer produto
Inaugurado em 2008, o CDP em Sete Lagoas é o primeiro da Iveco fora de Europa e o sexto da empresa italiana no mundo. A unidade está capacitada para executar todas as fases do processo de desenvolvimento de qualquer produto. “Não só adaptamos os produtos às condições do transporte no Brasil, mas também projetamos veículos adotados posteriormente na Europa”, diz Marco Liccardo referindo-se ao Daily Massimo, de sete de PBT. O Centro opera atualmente em área de 800 m² de oficina, 600 m² de escritórios e reúne 300 engenheiros e técnicos. Cada um fazendo sua parte para transformar um projeto em realidade e torna-lo viável, num processo contínuo até chegar ao produto final após, muitos meses de trabalho até o produto estar finalizado e aprovado para o mercado.

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Este tipo de ação permite aos engenheiros e técnicos identificarem – através de leitura por computadores – as áreas críticas das peças e poderem corrigir seus pontos críticos. O uso de todo o arsenal tecnológico tem como aliado a percepção do homem, pois, como diz Coelho, existem coisas que só o olhar humano treinado descobre. Os testes de validação do produto podem durar até um ano, período para gerarem informações suficientes para correções gerais no projeto do veículo. Na fábrica da Iveco de Sete Lagoas, o processo de criação de um veículo dura dois anos em média. “Um prazo agressivo”, considera Marco Liccardo.

O produto mais recente desenvolvido pelo CDP é a geração de caminhões Ecoline, parte da qual chegará ao mercado em 2012 e outra em 2013. É desta safra o Stralis AS, o novo extrapesado da marca apresentado ao público durante a Fenatran, em novembro passado, em São Paulo. Trata-se de um veículo já conhecido do mercado que trará muitos diferenciais na família Ecoline, conforme explica Ricardo Coelho, gerente de validação de produto. “Esse produto tem chassi, trem de força, cabine, interior, tudo novo. Por isso consumiu mais da metade do trabalho de engenharia dentro do projeto Euro 5”, detalha.

Pistas DE testes
Os testes de rodagem dos veículos incluem milhares de ciclos na pista de pot-hole, a qual é dividida em três partes para diferentes tipos de testes. Uma de pedras arredondadas, que submete o veículo à vibração de alta frequência e serve, entre outras coisas, para determinar a durabilidade de peças de borracha. Já a pista de lombadas submete o chassi e todo o veículo a fortes torções, medindo sua resistência geral. E a terceira é uma pista de buracos para medir a resistência da suspensão, uma das condições mais violentas dos testes.

SETE LAGOAS/ MINAS GERAIS / BRASIL (07.03.2012) - Iveco - Dia de Test Drive nos caminhoes da Iveco.    Foto: Pedro Vilela / Agencia i7
SETE LAGOAS/ MINAS GERAIS / BRASIL (07.03.2012) – Iveco – Dia de Test Drive nos caminhoes da Iveco. Foto: Pedro Vilela / Agencia i7

Uma pista de testes para simular situações comuns nas rodovias (buracos e lombadas, principalmente) também faz parte do CDP, e uma outra pista – com 1,7 km de extensão – com retas de aceleração, estabilidade, rampas, piscina, obstáculos militares e outros tipos de testes, será inaugurada no próximo ano. “A obra dará maior capacidade para fazermos os testes em casa. Além disso, estamos investindo pesado em novos equipamentos e no treinamento de pessoas”, acrescenta Liccardo.

 

De acordo com o engenheiro, até chegar ao veículo finalizado foram feitos 35 protótipos, os quais rodaram, juntos, o equivalente a 2,5 milhões de quilômetros, mais de 300 testes funcionais e 500 mil horas/homem para a validação do produto na fase de testes. A rota incluiu estradas de toda a América Latina, com testes de altitudes na Cordilheira dos Andes e também por estradas à beira do mar no Litoral brasileiro.

Todas as marcas de caminhões no Brasil calibram os motores de seus veículos para até dois mil metros de altitude. A partir desta marca a calibragem é para cada mercado.

Tudo é testado e medido, desde a capacidade de refrigeração do motor sob esforço, sua eficiência, transmissão e características de dirigibilidade, estabilidade e conforto do veículo. É verificado também se há interferência eletromagnética no sistema eletrônico dos veículos. Os testes de durabilidade incluem trafegar por pistas esburacadas, rodovias de diversos tipos de piso, por cidades, usinas de cana, mineração. Câmara fria e mergulho em vala com água até a altura da porta também fizeram parte das verificações, além de crash test, este feito nas Europa.