Por Evilazio de Oliveira

Na fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, divisa do Brasil com a Argentina, funciona o maior Porto Seco da América Latina, e por onde passam diariamente cerca de 600 caminhões de carga no intercâmbio comercial com países do Mercosul. Esse transporte internacional, que cruza a ponte sobre o rio Uruguai, entre Uruguaiana/BR e Paso de Los Libres/AR começou a ser realizado em novembro de 1964 quando, mediante autorização especial, quatro carretas brasileiras levaram tijolos refratários para Buenos Aires e retornaram com negro de fumo, substância utilizada na indústria de borrachas.

Os problemas na fronteira continuam emperrando a economia e causando prejuízos aos transportadores, diz José Carlos Becker, presidente da ABTI
Os problemas na fronteira continuam emperrando a economia e causando prejuízos aos transportadores, diz José Carlos Becker, presidente da ABTI

Em janeiro de 1965, a transportadora Coral se tornaria a primeira transportadora brasileira a receber uma permissão de trânsito internacional, com validade de cinco anos. Em 1970, com a descoberta da rota pela Cordilheira dos Andes, foi desbravado o caminho para o Oeste e os caminhões brasileiros, além de chegar ao Chile, também chegavam ao Paraguai, Peru, Bolívia e Equador, proporcionando a ligação por rodovias entre os oceanos Atlântico e Pacífico. De lá para cá, esse intercâmbio comercial não parou de crescer, graças, sobretudo, ao modal rodoviário considerado mais rápido e econômico.

Os caminhões que atuam no transporte internacional são do Brasil e agregados, porque no Mercosul não existe a figura do autônomo, explica Abel Pare, CTTI
Os caminhões que atuam no transporte internacional são do Brasil e agregados, porque no Mercosul não existe a figura do autônomo, explica Abel Pare, CTTI

De acordo com o presidente da ABTI (Associação Brasileira de Transportadores Internacionais), José Carlos Becker, nesse período houve muitos avanços, embora a troca de mercadorias entre Brasil e Argentina, principalmente, fosse feita de outras formas. Todavia, o que decepciona nessas relações são as decisões do próprio Mercosul, que saem do papel e não se refletem nas fronteiras, onde os problemas continuam os mesmos, emperrando a economia e causando prejuízos aos transportadores.

Para José Elder Machado, os avanços no Mercosul são lentos, feitos com tratados que quase sempre envolvem órgãos tributários, com interesses isolados de cada país
Para José Elder Machado, os avanços no Mercosul são lentos, feitos com tratados que quase sempre envolvem órgãos tributários, com interesses isolados de cada país

Apesar das dificuldades ocasionadas pelas diferenças econômicas, culturais e protecionistas, ele acredita que essa integração entre os membros do Mercosul é irreversível, dependendo mais de uma efetiva ação política dos negociadores dos países envolvidos. A ABTI representa cerca de 250 empresas com aproximadamente 60 mil caminhões permissionados, desses pelo menos 40% são subcontratados para suprir a demanda do setor, uma vez que no transporte internacional não existe o conceito de autônomo.

Manuel Ramirez é defensor da construção de uma nova ponte em Uruguaiana. Sobre o Rio Uruguai, porque considera a travessia atual totalmente superada
Manuel Ramirez é defensor da construção de uma nova ponte em Uruguaiana. Sobre o Rio Uruguai, porque considera a travessia atual totalmente superada

Lembra que a União Européia, que reúne 28 países de diferentes culturas e posições econômicas, conseguiu superar barreiras e hoje dispõe de moeda única e fronteiras livres. Segundo ele, o transporte rodoviário internacional de cargas entre Brasil e Argentina – e por consequência com os demais países do Cone Sul – reflete a falta de visão dos governantes, ocasionando esperas de até 72h para a liberação de caminhões nas aduanas, com elevado Custo-País, que invariavelmente, vai onerar o bolso do consumidor final. “Que Mercosul é esse?”, pergunta José Carlos Becker.

No transporte internacional o carreteiro trabalha com mais tranquilidade, sem as correrias exigidas dentro do Brasil, opina o motorista Leandro Ramos
No transporte internacional o carreteiro trabalha com mais tranquilidade, sem as correrias exigidas dentro do Brasil, opina o motorista Leandro Ramos

Becker acredita que os governos viraram as costas para os transportadores, numa situação em que a maioria das aduanas não é interligada, não existe uma legislação única de trânsito e cada país baixa uma lei protecionista sempre que pode obter algum favorecimento comercial. Além disso, reclama também do descaso em relação à atuação das polícias rodoviárias da Argentina que maltratam os carreteiros brasileiros com exigências absurdas e cobranças de multas ilegais, não existindo assimetria definitiva nos padrões dos caminhões que circulam nesses países.

Com vários anos de atuação no transporte internacional, Claudemir Staffen diz que não há diferença financeira entre trabalhar em rotas dentro ou fora do Brasil
Com vários anos de atuação no transporte internacional, Claudemir Staffen diz que não há diferença financeira entre trabalhar em rotas dentro ou fora do Brasil

O presidente da CTTI (Câmara Temática de Transporte Internacional), da Ocergs (Organização das Cooperativas do RS) e diretor-presidente da Cootransul (Cooperativa de Transportes Rodoviários Nacionais e Internacionais Sul Ltda.), Abel Paré, é autor do trabalho “O pesadelo do autônomo: a viabilidade do transporte internacional no Brasil”, onde apresenta suas preocupações em relação ao futuro da categoria. Segundo ele, pelos menos 60% dos caminhões utilizados no transporte internacional são brasileiros, sendo a grande maioria agregada, já que nos tratados do Mercosul não existe a figura do autônomo. Acredita que o carreteiro precisa se profissionalizar e ter organização para evitar se tornar “massa de manobra” das grandes empresas.

Paré defende a necessidade de leis específicas, fiscalização e uma cadeia de responsabilidades no transporte internacional, evitando que a subcontratação de autônomos se torne um “alicerce de picaretagem”. A saída para o autônomo, opina, seria o cooperativismo, mesmo assim um sistema que “corre perigo de morte” frente à expansão das grandes empresas que dominam o mercado. Por isso, a necessidade da profissionalização para o crescimento e fortalecimento da categoria.

Na opinião do professor de Economia e Transportes da PUC/Uruguaiana/RS, José Élder Machado da Silva, o transporte rodoviário internacional de cargas ganha de longe dos demais modais em questões de rapidez, economia e segurança. Acredita que no caso do Mercosul, os avanços são muito lentos, feitos com tratados que quase sempre envolvem órgãos tributários e, consequentemente, interesses isolados de cada país, dificultando a integração. Para o futuro, prevê que a questão mais grave esteja relacionada ao roubo de cargas e a maior agilidade nas aduanas. Segundo ele, são assuntos que poderiam ser solucionados com relativa facilidade, porém esbarram na lentidão das negociações e tratados, além da corrupção endêmica existente na Argentina, sempre na defesa de interesses de determinados grupos.

A questão do transporte internacional e Mercosul, segundo opinião do despachante aduaneiro argentino – há anos residente no Brasil -, Manuel Ramirez, se resume na “falta de visão dos políticos, que tem a mentalidade do tamanho da cabeça de um alfinete”. Lembra que o transporte rodoviário de cargas para a Argentina começou efetivamente, em 1964 através de uma ponte inaugurada em 1947 para servir apenas como passagem para os poucos automóveis que existiam à época em Uruguaiana e Paso de Los Libres. Salienta que a ponte começou a ser projetada em 1930, época em que o caminhão Ford AA, era um dos mais modernos daquele tempo, tinha a capacidade para transportar 2,5t. Justamente por isso, Manuel Ramirez é um ardoroso defensor da construção de uma nova ponte em Uruguaiana, sobre o rio Uruguai, por considerar que a atual travessia está totalmente superada, suportando veículos de enormes tonelagens e com frequentes congestionamentos sobre a estrutura da ponte, com riscos de uma enorme tragédia.

Ele reconhece que todos os tratados comerciais feitos entre os países trouxeram benefícios, incorporando ideias revolucionárias e quase sempre esbarram na burocracia dos governantes, ou na defesa de interesses específicos de um país. Lembra da enorme importância do transporte internacional, sobretudo para Uruguaiana, município que tem uma grande dependência econômica dessa atividade. Todavia, devido aos constantes entraves burocráticos nas aduanas, muitas empresas estão optando por fazer a travessia por outros locais, mesmo que mais distantes, afirma. Segundo ele, ainda há muito que se fazer nesse setor, para uma efetiva integração internacional, que “sempre esbarram nas mentalidades tacanhas dos governantes”.

Indiferente a essas discussões, o carreteiro Leandro Ramos, 37 anos e 16 de profissão, sempre no transporte internacional, garante que está feliz e não tem reclamações do trabalho que executa. Natural de Bossoroca/RS e trabalhando como comissionado, ao volante de um Scania 91, ele viaja de Uruguaiana/RS, onde reside atualmente, para o Chile. Tem carteira assinada e a vantagem de ficar mais perto da família a cada viagem. Lembra que dificuldades sempre existem na estrada, principalmente as longas esperas nas aduanas, ou no inverno quando a neve impede a passagem para o Chile, precisando ficar em filas de até cinco mil caminhões. Acredita que no transporte internacional o carreteiro trabalha com mais tranquilidade, sem as correrias exigidas dentro do Brasil.

Outro carreteiro que destaca a maior tranquilidade em relação ao tempo de viagem é Claudemir Staffen, 35 anos e 14 de direção. Ele dirige um Mercedes-Benz 2008 entre São Paulo, Argentina e Chile. É comissionado, mas o patrão paga a Previdência para ele como autônomo. Também já começou no transporte internacional e acha que tem mais tempo livre para ficar com a família a cada viagem. Viaja com mais calma, sem o sufoco de ter um horário certo para chegar, sem a presença constante do patrão dando ordens e pedindo pressa. Financeiramente, não há muita diferença entre trabalhar no Brasil e no internacional, afirma.

Para Sílvio Adriano da Rosa Lauer, 36 anos e 14 de estrada, o transporte internacional perdeu o encanto, por isso ele decidiu trabalhar em trechos mais curtos, apenas dentro do Estado do Rio Grande do Sul. Natural de Quarai/RS, dono de um Scania 81, na ocasião que falou com a reportagem de O Carreteiro ele carregava da Argentina e Chile para São Paulo e Goiânia. Há pouco mais de um ano ele desistiu dessas linhas em razão dos baixos valores dos fretes, custos de manutenção do caminhão e das perseguições dos policiais rodoviários argentinos. Além disso, queria ficar mais tempo com a família e trabalhar com mais tranquilidade. “Mas o transporte internacional é uma boa escola”, admite.