Por Evilazio de Oliveira Fotos Luis Gonçalves

Acostumados à intempérie, os chapas resistem ao frio, chuva ou sol nas margens das estradas brasileiras oferecendo seus préstimos a carreteiros que, eventualmente, precisam de um guia para levá-los a um determinado endereço ou ajudar na carga ou descarga do caminhão. Além da concorrência das modernas tecnologias que oferecem aos estradeiros instrumentos como o GPS, mapas virtuais e até mesmo indicações de rotas pelo telefone celular, os chapas enfrentam cada vez mais a desconfiança dos motoristas que relutam em acomodar na cabine uma pessoa estranha. Mesmo assim, resistem e muitos deles estão na profissão há anos, com a determinação de prosseguir trabalhando enquanto tiver saúde suficiente para suportar as agruras da vida ao relento, remuneração duvidosa e malvista.

É o caso de Bento Dias da Costa, 60 anos, que há 12 anos faz ponto na frente de um posto de combustível na BR-386, em Canoas/RS, na companhia do filho Michel Silveira da Costa, 21, e está nessa atividade há seis anos, quando decidiu abandonar a escola por ser “muito rebelde”. Natural de Bom Retiro do Sul, município a cerca de 100 quilômetros de Porto Alegre, Bento conta que já fez de tudo na vida, trabalhou até como marinheiro no Rio de Janeiro e também como pedreiro, marceneiro e operário de fábrica. Agora dá expediente de segunda à sexta, das 6h da manhã até as 19h30 na margem da estrada, fazendo “pesca­ria”, como de­nomina o gesto de levantar o braço para os carreteiros que chegam ao posto, oferecendo os seus ser­viços e os do filho, que tem braços mais for­- tes quando se trata de “fazer força”.

Em dias “bons” dá para ganhar uns R$ 80,00 livres, mas como nem todos os dias são “bons”, a coisa pode ficar feia. Reconhece que a grande maioria dos motoristas olha os chapas com desconfiança, “porque existem muitos maus elementos no meio”. Lembra que numa ocasião se desentendeu com um carreteiro por causa de um desacerto financeiro. “Ele estava bêbado e não queria me pagar o que combinamos”, conta. Pai e filho concordam que é preciso agir corretamente com os motoristas, pois eles se informam bem antes de aceitar o serviço de um chapa e a pessoa pode se “queimar”, se agir mal.

Rafael Martinelli Faleiro, 19 anos, e pouco mais de um ano na função de chapa, também faz ponto na BR-386, aonde procura desenvolver um estilo próprio de trabalho. Só entra na cabine quando o motorista já estiver instalado ao volante e sai junto com ele. Não carrega objetos pessoais, não mexe em nada e mantém as mãos sempre à vista. Ele sabe da desconfiança dos carreteiros e não quer deixar margem para mal entendidos. “A maioria dos motoristas é gente boa”, garante. Com isso vai conquistando freguesia e já consegue faturar uns R$ 100,00 por dia. Ao lado de Rafael, outro chapa, falando muita gíria, afirma que está há 12 anos na profissão, que existem muito maus elementos no meio e que os motoristas precisam ter muito cuidado com essas pessoas. Todavia, alegando timidez, evita falar mais sobre a sua atividade. Nem mesmo diz o nome.

Márcio Ricardo da Rocha, 40 anos e 11 trabalhando como chapa na BR-386, tem experiência adquirida como funcionário de uma transportadora, onde trabalhou por algum tempo. Depois, desempregado, foi trabalhar como auxiliar de carga e descarga, fazendo ponto num posto de combustível. Deu certo e permaneceu no ofício. Ele conta que prefere sempre os serviços mais pesados e que rendem mais. Servir como guia aos motoristas não rende muito, pois apesar do pouco valor cobrado ainda há a despesa com passagens de retorno. Mesmo com a baixa remuneração, não dá pra perder, segundo diz. “Tudo o que vier, é lucro”. Márcio também utiliza muito o celular e depende basicamente das indicações dos carreteiros, da propaganda boca a boca, daí a necessidade de se agir corretamente com todos.

O chapa Paulo Alaor Fernandes Tessari, 44 anos e 20 de profissão, trabalha na margem da BR-116, na entrada de Porto Alegre/RS. Ele chega cedo ao seu posto, por volta das 6h, quando começa a sua atividade. É um lugar de muito movimento de veículos e por isso é difícil parar o caminhão. Ele conta que dois chapas morreram atropelados nos últimos tempos – um na BR-116 e outro na BR-386 – fato que alertou a Polícia Rodoviária para os riscos desse tipo de abordagem. Por um tempo os patrulheiros impediam que as carretas parassem na pista depois a coisa foi ficando mais liberada, afirma. Apesar das dificuldades, consegue ganhar entre R$ 1 mil e R$ 1.200,00 por mês, valores que aumentam nos finais de ano quando acontece uma maior movimentação de cargas. Ele, como a maioria dos chapas, utiliza muito o celular para se comunicar com os clientes.

Natural de Jaguari/RS e morando na Vila Jardim, em Porto Alegre, Jorge Soares de Silva, 60 anos e 30 como chapa, trabalha na BR-116 e conta que faltam apenas cinco meses para a aposentadoria. Lembra que sempre pagou a Previdência, muitas vezes com dificuldades, na esperança de ter uma renda extra e trabalhar numa atividade mais suave e sem ficar no “mau tempo”. Ele também admite as dificuldades da função, das desconfianças e eventuais desacertos com os motoristas. Diz que muitas vezes precisa mostrar os documentos aos estradeiros, além da constante vigilância dos policiais rodoviários. “Por enquanto está dando para viver, mas espero me aposentar logo”, afirma.

É justamente por essa desconfiança e temor de levar uma pessoa estranha na cabine que o carreteiro Diorjnes Rudnick, 25 anos e seis de profissão, procura obter todas as informações sobre o local para onde vai transportar a carga, endereços, mapas e referências. Natural de Francisco Beltrão/PR e atualmente dirigindo um bitrem graneleiro, ele ressalta que com esse tipo de carga é difícil recorrer aos serviços de chapas. Mesmo assim, numa ocasião, em São Paulo, precisou de ajuda. Foi quando conheceu o Batata, que o levou até a Fernão Dias, sem problemas. “Mas, é complicado, admite”. Acredita que em casos de necessidade, o carreteiro deve pedir a indicação de colegas ou em postos, onde essas pessoas sejam mais conhecidas.

O carreteiro Gilmar Sérgio de Oliveira, 44 anos e 25 de volante, natural de Cândido Rondon/PR e dirigindo um bitrem entre Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul conta que já teve sérios problemas com chapas, que queriam até trocar de roupa dentro da cabine. Ou de pessoas que pediam um adiantamento e sumiam. Depois de muitos incômodos, optou para trabalhar no transporte de grãos, que geralmente são levados para os portos ou para silos. Ele reclama, também, das constantes “mordidas”, até dos guardas dos portões de entrada das transportadoras.

Anderson Marçal Bueno, 32 anos e 13 de estrada, natural de Telêmaco Borba/PR, transporta madeira e bobinas de papel entre o Paraná e Rio Grande do Sul. Utiliza pouco o serviço de chapas, mas sempre com muitos cuidados. Quando realmente é preciso, pede a indicação de colegas ou de frentistas em postos de combustíveis. Confessa que tem medo, “afinal, hoje em dia tudo é difícil e a insegurança é muito grande”. Já pegou chapa na estrada, em São Paulo, como guia para fazer entregas. Tudo sem problemas, mas com a carteira, dinheiro e objetos de valor muito bem guardados.