Por Jaime Alves
Fotos Divulgação

Era 11 de novembro. Três caminhões da transportadora Transpanorama, de Maringá/PR, viajavam de Curitiba para São Paulo a serviço dos Correios. Tudo corria bem até que, no Km 56 da BR-116, em Campina Grande do Sul, região metropolitana da capital paranaense, uma blitz da Polícia Rodoviária Federal mandou o comboio encostar. Começava ali uma dor de cabeça para os três carreteiros, que acabaram presos. Era uma fiscalização sobre o Arla 32 e os policiais descobriram uma fraude pelo tal emulador.

O “chip paraguaio” é facilmente encontrado para compra na internet. Trata-se de um emulador que engana o sistema eletrônico, isolando o acionamento do Arla 32 sem deixar o motor perder potência. Tudo muito simples. Neste caso da Transpanorama, bastava apenas apertar um botão no painel, como divulgado pela PRF. É aí que o motorista se compromete, já que passa a ser conivente com a fraude e também responde pelo crime.

“A responsabilidade da empresa ou a dos Correios será investigada depois, mas naquele momento do flagrante, os responsáveis eram os condutores”, disse o policial rodoviário federal Fernando Oliveira, Chefe Substituto de Comunicação da PRF/PR, que acrescenta: “alguma participação eles têm, pois a fraude depende de um acionamento manual”.

Os motoristas foram para a delegacia de Campina Grande do Sul prestar esclarecimentos e disseram ao delegado João Marcelo Renck Chagas que não burlaram o sistema, mas que foram orientados a não mexer na chave liga/desliga no interior do caminhão. Segundo informações da assessoria de Imprensa da Polícia Civil do Paraná, eles teriam permanecido presos por dois dias e soltos após o pagamento de fiança. O valor não foi informado, nem os nomes dos carreteiros, que agora vão responder à ação penal em liberdade. Os veículos e a carga também ficaram retidos por dois dias.

O caso, segundo a PRF – e confirmado pelo delegado – é enquadrado no artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais, e a pena é de um a cinco anos de reclusão. A transportadora poderá responder a um processo administrativo, conduzido pelo IAP (Instituto Ambiental do Paraná), que está acompanhando o caso, mas tudo vai depender do resultado da perícia. A empresa nega a adulteração. “Não foi apontada nenhuma irregularidade”, afirmou em nota enviada à revista O Carreteiro.

Este caso se destaca pela prisão dos carreteiros, mas flagrar adulteração no sistema tem sido comum, como mostram as operações realizadas ao longo do ano em conjunto pela PRF e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Os agentes verificam o caminhão em busca do emulador e analisam a composição química do Arla 32. Em uma das últimas operações de 2015, realizada nos dias 26 e 27 de novembro, na rodovia Régis Bittencourt, região de Itapecerica da Serra/SP, foram emitidos 17 autos de infração ambiental, 13 termos de apreensão (caminhões apreendidos) e cerca de R$ 70 mil em multas ambientais. Também foram encontrados cinco emuladores, mas, diferentemente do Paraná, nenhum motorista foi parar atrás das grades.

Economia cara para a saúde

O objetivo da adulteração, de qualquer forma que seja, é diminuir os gastos do veículo com um reagente para aumentar a rentabilidade. Um galão de 20 litros de Arla 32 custa cerca de R$ 45 (R$ 2,25/litro), mas o valor reduz se a compra for em grandes quantidades. O consumo é em torno de 5% em relação ao diesel, portanto, a cada 1.000 litros de óleo gasta-se 50 litros de Arla.

Uma carreta que roda 2 km/litro de diesel e roda 10 mil km/mês consome 5 mil litros de diesel e 250 litros de Arla, o que representará em torno de R$ 562/mês se abastecer com galões de 20 litros comprados na estrada. Considerando as mesmas condições, esse custo dobra a partir da segunda carreta, triplica com a terceira e assim sucessivamente. O reagente tem de ser usado pelos caminhões com motores que utilizam a tecnologia SCR (Redução Catalítica Seletiva).

Sem o Arla, o caminhão passa a ter menor custo operacional e aumenta a margem de lucro do proprietário. Mas o resultado é danoso para o meio ambiente e para a saúde. O motor deixa de atender as normas de baixas emissões de poluentes previstas na fase 7 do Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores), que entrou em vigor em janeiro de 2012.

A tecnologia SCR foi a solução considerada mais adequada pela indústria para veículos pesados. Segundo os fabricantes, o consumo de combustível e desempenho desses motores é melhor. O Arla 32, por sua vez, é um líquido incolor altamente purificado, que contém água desmineralizada e 32,5% de ureia automotiva. Quando é injetado no catalisador, o produto provoca uma reação química que anula os gases tóxicos. O que sai pelo escapamento é vapor de água e nitrogênio, ambos inofensivos ao meio ambiente.

Meio_IMG_9154

Arla adulterado ou de má qualidade danifica o catalisador

Além da fraude eletrônica no sistema, há casos em que o problema está no próprio Arla, que pode ser de má qualidade ou adulterado. Seja como for, o produto fora das especificações técnicas pode resultar em multa por estar em desacordo com os limites e as exigências ambientais previstos na legislação. E pode sobrar para o carreteiro, mesmo ele sendo empregado. “O proprietário do veículo pode dizer que o culpado é o motorista, que teria colocado o Arla errado”, diz Elcio Luiz Farah, Diretor Adjunto da Afeevas (Associação dos Fabricantes de Equipamentos para Controle de Emissões Veiculares da América do Sul).

O prejuízo não para aí. Se der a sorte de não ser flagrado em alguma fiscalização, o carreteiro ou transportador que usa Arla “batizado” vai perder o catalisador. Rapidamente, o reagente irregular forma cristais que entopem e danificam a peça. “Nós temos relato de campo de catalisadores que apresentaram falha com apenas 2 mil quilômetros”, diz Alexandre Pizzolatto, gerente de engenharia da Cummins Emission Solutions. Em condições normais de uso, o catalisador é construído para durar tanto quanto o motor. Ele é blindado e não tem conserto, a solução, segundo Alexandre, é trocar, ao preço de cerca de R$ 20 mil.

Existem reagentes químicos que podem revelar se o Arla é bom ou não. A própria Cummins está desenvolvendo um kit para teste, mas dicas simples podem ajudar na compra de um produto de boa qualidade. Uma delas é desconfiar do preço barato demais. Outra é procurar o selo do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia). Conferir se a tampa da embalagem está lacrada também pode ajudar a evitar a compra de um produto batizado ou de baixa qualidade.

O cenário econômico é de crise. Atualmente há uma defasagem de 10,14% entre os fretes praticados e os custos efetivos da atividade, segundo estudo da NTC&Logística. Neste ambiente o transportador busca meios para reduzir os custos. Isso faz parte do negócio, mas perante a Lei, nada justifica o crime.