por Evilazio de Oliveira

Apesar da evolução no processo e eliminação de barreiras burocráticas ainda existem longas filas e espera para os caminhões cruzarem a fronteira do Brasil para a Argentina e vice-versa. Enquanto aguardam para entrar no porto seco de Uruguaiana/RS, os carreteiros enfrentam outros problemas como o risco de serem assaltados e o constante assédio de prostitutas que atuam no local

Todos os dias, imensas filas de caminhões são formadas na entrada do maior porto seco da América Latina, como é denominado o terminal de cargas da Eadi Sul Ltda., em Uruguaiana/ RS – fronteira com a Argentina –, onde são executados todos os serviços aduaneiros a cargo da Secretaria da Receita Federal, inclusive os de processamento de despacho aduaneiro de importação e de exportação (conferência e desembaraço aduaneiros). As filas demonstram que nestes 16 anos de existência do Mercosul (Mercado Comum do Sul), completados em março, ainda existe muita burocracia emperrando a integração comercial dos países membros.

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José Elder da Silva acredita que a partir do próximo ano o transporte internacional ficará mais ágil através da ponte, em Uruguaiana.

O delegado da Receita Federal em Uruguaiana, Josemar Dalsochio, afirma que o processo apresentou importantes conquistas e evolução, e que o porto rodoferroviário registrou um crescimento de tráfego pela ponte internacional, que liga Uruguaiana/BR e Paso de los Libres/Argentina, de seis mil caminhões por mês para 15 mil cargas mensais. Além disso, destaca, houve eliminação de barreiras burocráticas e econômicas, porém existem dificuldades em harmonizar as normas legais internas entre os dois países. Para se ter uma idéia do volume de cargas transportado pela ponte internacional, a Receita Federal informa que apenas neste primeiro bimestre do ano foi movimentado cerca de U$ 1 bilhão em mercadorias, com o Brasil importando mais do que exportando.

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Documentação incorreta deixaram Norberto Luiz Pereyra parado durante seis dias na fronteira esperando a regularização para seguir em frente

Os carreteiros que esperam em fila para a entrada no pátio do Porto Seco estão sujeitos a assaltos e aos constantes assédios de prostitutas que atuam nas redondezas. O local é próximo a uma vila formada por invasores e considerada um lugar perigoso, principalmente à noite. Mesmo dentro do pátio, com o caminhão em segurança, o carreteiro enfrenta a burocracia para a conferência da documentação e, em muitos casos, precisa esperar por vários dias até que tudo esteja em ordem. Prejuízo certo, principalmente para quem é comissionado.

O gerente geral da Eadi Sul, Antônio Rocha, mesmo procurado com insistência, não quis falar sobre o assunto. Porém, para o secretário-executivo da ABTI (Associação Brasileira de Transportadores Internacionais), José Élder Machado da Silva, ocorrem gargalos no atendimento em determinados dias e horários da semana, muitas vezes pela necessidade de regularizar a documentação da carga. Além disso, existe a limitação do horário bancário para o recolhimento de taxas e impostos. Ele acredita que a partir de 2008 o transporte internacional de cargas através da ponte internacional, em Uruguaiana, ficará mais ágil. É que o governo argentino está concluindo as obras da estação aduaneira em Paso de Los Libres, uma moderna estrutura com bancos, postos de fiscalização, restaurantes e pátio para 800 carretas. Na aduana brasileira será feito o controle das importações e, do lado argentino, as exportações, conforme explica José Élder.

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Números de notas fiscais trocados já deixaram o caminhão de Romeu José Lippert Filho parado durante 12 dias numa viagem para a Argentina

A espera de vários dias para a liberação de cargas na aduana não surpreende ninguém, é o que diz o carreteiro argentino Norberto Luís Pereyra, 42 anos e 20 de estada, a maioria deles no transporte internacional. Conta que já aconteceu de ficar parado seis dias esperando pela documentação que não estava certa. Ele viaja da Argentina para o Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai e confessa que gosta muito dos brasileiros. Seu colega, Alejandro Zarate, 30 anos e 12 de boléia, reside em Cañuela – Buenos Aires e viaja para o Brasil há pouco mais de um mês, transportando produtos químicos. Admite que ainda não deu para fazer uma avaliação sobre o funcionamento da aduana. Ele chegou no dia anterior, encaminhou a documentação e pretende seguir viagem logo, sem perda de tempo.

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Há pouco tempo na rota Argentina -Brasil, Alejandro Zarate diz que ainda não dá para fazer uma avaliação do funcionamento da aduana

Gaúcho de Três Passos, mas “morando” no Scania 99, Romeu José Lippert Filho, 35 anos e 15 de estrada, está no transporte internacional desde 2000, viajando para Argentina, Chile e Uruguai. Reconhece que “às vezes a situação fica muito embromada” e já chegou a ficar parado 12 dias por causa dos números das notas que vieram trocados”. Alguém fez bobagem e quem tem prejuízo é o carreteiro, que trabalha como comissionado. Não dá nem pra culpar a aduana”, diz ele. Romeu Lippert lembra que além do prejuízo, é perigoso sair do pátio da Eadi, onde deixa o caminhão para ir a um restaurante. O lugar é cheio de assaltantes e prostitutas.

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O gaúcho Adinar Boldrin conta que ficou 14 dias parado na aduana de Uruguaiana para legalização de documentos da carga que transportava

Adinar Boldrin, 35 anos de idade e 14 de estrada, é de Horizontina/RS e dirige um Scania 2000, que transporta farinha de penas, com destino ao Chile. Na ocasião ele ia descarregar em Uruguaiana e a carga seguiria em outro caminhão. Todavia, precisou realizar todos os procedimentos para a exportação da mercadoria. Lembra que ficou 14 dias nesta aduana à espera de legalização dos documentos da carga. Por enquanto ele transporta só no Brasil, mas viajou muitos anos para o Chile e Argentina, com câmara fria.

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O gerente da empresa, Luiz Valdivia Masini acompanhou os carreteiros Teófilo de La Cruz e Jesus Zagarra para enfrentar os entraves burocráticos

O peruano Teófilo de La Cruz, 52 e 25 de estrada, sempre no transporte internacional, viaja pelo Equador, Chile, Bolívia, Argentina e Brasil, países com características muito próprias, diz. Ele dirige um International ano 92 que transporta uma usina de asfalto de Porto Alegre/RS para Quito, no Equador. Na opinião do carreteiro peruano, em Uruguaiana tudo é muito complicado e os custos muito altos. Reclama que em outras aduanas os despachos são feitos em meia ou 1 hora no máximo e nunca com uma espera de três dias. “Muita burocracia e tudo mais caro”, completa o colega, Jesus Zegarra, 39 anos e 15 de volante, cinco dos quais no transporte internacional, igualmente viajando para Bolívia, Chile, Argentina, Equador e Brasil. Ele dirige um Freightliner 98 com uma carga de autopeças. Reclama que não há unificação de critérios e com isso se perde muito tempo, aumentam os custos de transporte e o cliente não entende, quer a mercadoria pelo preço combinado, ressalta. E garante que dos países que percorre, o mais problemático é o Brasil, em termos de burocracia aduaneira. “apesar do Mercosul”.

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Osmair Moreira Alves lembra que após entrar na aduana não dá para sair e se os documentos não estiverem em ordem é problema para o motorista

E é justamente para enfrentar esses entraves burocráticos que o gerente da Atlas Carga, Luís Valdivia Masini, acompanhou os carreteiros Teófilo de La Cruz e Jesus Zegarra na viagem. Ele cuida de toda a documentação e da “burocracia” aduaneira. Mesmo assim as longas esperas são inevitáveis e, de novo, a pergunta: – “É essa a integração que o Mercosul promove”?

O carreteiro Osmair Moreira Alves, 48 anos, 26 de profissão, costuma viajar para Chile, Argentina e Uruguai. Apesar de que o transporte para o Uruguai caiu bastante, segundo afirma. Ele explica que normalmente existe filas de espera para entrar na aduana. E quando se entra, e a documentação não está em ordem, não dá pra sair e começam os problemas para o motorista. Afirma que já viu gente ficar 90 dias esperando pela liberação dos documentos. Mas isso é difícil acontecer com empresas grandes e bem estruturadas, com pessoas responsáveis trabalhando, salienta. Além disso, é preciso contar com a boa vontade dos despachantes. “Às vezes, o motorista fica nervoso, fala bobagem e o despachante fica de cara feia, coisa séria.”

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O chileno Andrés Lizana diz que tudo na fronteira é complicado, porém tem opinião de que a situação é pior do lado argentino

Enquanto a tarde avança e o tal gargalo citado pelo secretário executivo da ABTI, José Élder Machado da Silva, forma uma fila imensa de caminhões, até o acesso a rodovia BR- 290, a maioria dos carreteiros vê a situação com bom humor e não reclama. Estão acostumados. Além dessa fila, eles invariavelmente enfrentam outra, na chamada Prainha, antes de ingressarem na ponte internacional e são submetidos a uma nova fiscalização e conferência de documentos. Depois, mais filas, no outro lado, em Paso de Los Libres, na Argentina.

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Pedro Padilla, que trabalha com um caminhão Skoda ano 97, ironiza que não existe problema de espera na aduana de Uruguaiana

O chileno Andrés Lizana, 50 anos e 32 de boléia costuma fazer rotas pela Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia. Ele dirige um International 92 e reclama que a aduana é muito lenta. Ficou três horas na Prainha e agora não sabe quanto tempo ainda vai esperar pelos documentos. Na viagem anterior ficou oito dias parado, com prejuízos para ele, para a empresa e para o cliente. “Tudo muito complicado. Porém, mais complicado ainda é na Argentina”, afirma. Na opinião de outro chileno, Pedro Padilla, 49 anos, 30 de estrada e atualmente dirigindo um Skoda 97, não existem grandes problemas de espera em Uruguaiana. “Umas quatro ou cinco horas e estou liberado”, ironiza.