por Evilazio de Oliveira

Quando se aproxima o final de ano, a maioria dos carreteiros programa as viagens na tentativa de passar os festejos natalinos em casa, com os familiares, ao mesmo tempo em que aproveita para uma revisão completa no caminhão, tarefa difícil de ser feita no dia a dia das estradas. Mas, nem sempre isso é possível. O carreteiro depende de vários fatores, a começar pelo comportamento da economia e do consequente resultado no fluxo de cargas. Além dos conhecidos problemas para o cumprimento dos horários de direção, ou eventuais acidentes nas estradas, e do tempo de espera para a carga ou descarga das mercadorias transportadas, é preciso também se submeter à interminável burocracia nas aduanas para quem trabalha no transporte internacional de cargas. Tudo isso se transforma em dificuldade para o carreteiro saber se vai conseguir passar as festas de fim de ano com seus familiares.

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Luiz Eduardo Rosso leva caminhões novos para o Chile e já comemorou a virada de ano na estrada, retornando ao Brasil

Desde que assumiu a profissão de motorista profissional, há pouco mais de um ano, Luiz Eduardo Rosso Jacques, 41 anos, natural de Uruguaiana/RS, tem passado longe da família todas as datas importantes, como Natal, Ano Novo, aniversários, dia das mães, dia dos pais e Páscoa. Ele trabalha como freelancer, levando caminhões novos para o Chile e retornando de ônibus ou de carona. Quando acontece de serem levados muitos caminhões em comboio, a empresa transportadora traz os motoristas em ônibus fretado como medida de economia. Foi o que aconteceu na noite de virada do ano passado.

“Quando o relógio marcou meia-noite, o motorista do ônibus parou à margem da rodovia para uma comemoração com champanhe”, lembra. Em casa, a esposa Cristiane Pires da Silva, 30 anos, e o filho Vinicius, passaram os festejos de final de ano sozinhos. Ou eventualmente, com uma visita à casa dos sogros. Casados há 15 anos, aquela foi a primeira vez em que Luiz Eduardo esteve ausente nas datas importantes. Mas, quando optou pela profissão de estradeiro, ele e a família sabiam o que esperar do futuro. Por isso, ninguém reclama. Neste ano, ele acredita que a empresa faça um esquema de viagens em que a maior parte dos motoristas possa ficar em casa com seus familiares. Claro, os contatos com a mulher Cristine e o filho Vinicius são feitos todos os dias por telefone ou mensagens pelo celular. É uma maneira de estar presente e saber notícias.

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Cristina Brite, esposa do carreteiro Marcos Tancredo, diz que dificilmente o marido está em casa nas datas festivas

Cristina Santos Brite, 35 anos e os filhos João Marcos, oito anos, e Betina, quatro anos, estão acostumados a passarem as datas festivas longe do pai, o motorista Marcos Fernandes Tancredo, 33 anos, o Tranqueira, como é conhecido no trecho. Natural de Uruguaiana/RS, e há oito na profissão, Tancredo passa até 28 dias longe de casa, levando um caminhão cegonha para o Peru, numa viagem de oito mil quilômetros. Antes, fazia rota Argentina e Chile, em viagens menos demoradas. No ano passado – conta Cristina – o marido conseguiu uma “bênção” e passou as festas natalinas em casa. Depois viajou para São Paulo e ficou longe por dois meses, recorda. “Vida de motorista de caminhão é isso”, afirma resignada.

Mas, se nos outros finais de ano ela ficava sozinha em casa com os filhos ou visitava algum parente, este ano vai ser diferente. É que está tudo pronto para a mudança para uma casa nova, justamente no fim do ano, quando haverá a inauguração da moradia, festas de Natal e Ano Novo e confraternização entre familiares e amigos. Pelo menos é o que esperam, mesmo faltando a palavra final do patrão, concordando com essa folga especial.

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Ao contrário dos colegas de profissão, Paulo Madril, que viaja na rota internacional, está sempre em casa no Natal

O carreteiro Paulo Madril, 33 anos, 10 de profissão e conhecido no trecho como Quaraizinho, natural de Quaraí/RS, é dono de um caminhão Volvo e viaja entre Porto Alegre e Buenos Aires. Casado há 15 anos e pai de dois filhos, com sete e cinco anos de idade, nunca passou datas importantes longe da família. “Sempre tive sorte de programar minhas viagens para conseguir ficar em casa nas datas importantes como Natal, Ano Novo, Páscoa e aniversários”, diz ele. Explica que a tradição de comemorar festivamente essas datas vem de longe, do tempo dos avôs. O Natal em família tem árvore, Papai Noel, presentes e ceia. Já no Ano Novo, o churrasco é indispensável. Mesmo admitindo que não exista mais o chamado “espírito natalino”, ele procura manter a família unida, festejando essas datas. Orgulhoso, garante que seus filhos acreditam em Papai Noel e no Coelhinho da Páscoa, uma pureza que ele espera manter por muito tempo. E nessa época, quando passa alguns dias em casa, aproveita para fazer uma revisão minuciosa do caminhão, deixando tudo em dia para continuar rodando sem problemas, afirma.

Nos seis anos em que trabalha como motorista de caminhão, Cléo Borges da Silva, 31 anos, natural de Uruguaiana/RS, lembra que passou apenas dois finais de ano em casa com a família. Viajando entre Uruguaiana e Córdoba, na Argentina, ele permanece a maior parte do tempo na estrada. Casado e pai de três filhos, com 11, nove e dois anos de idade, ele lamenta a ausência nas comemorações de todas as datas importantes como Natal, Ano Novo e mesmo nos aniversários das crianças.

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Este ano, Cléo Borges pretende conversar com seu patrão para ver se consegue passar as festas ao lado da família

“Nunca coincide de estar em casa”, explica. Este ano ele pretende conversar com o patrão e ver se consegue programar as viagens para passar as festas com a família. Daí é claro, “fazer um churrasco com a galera, comprar presentes para mulher e filhos e festejar a data”. Quando está na estrada, o Natal e Ano Novo são comemorados de maneira simples entre os motoristas em algum posto de combustível à margem da estrada. Lamenta que nem sempre as viagens possam ser bem programas. Sempre existe a burocracia nas aduanas, demora em carregar ou descarregar e até mesmo problemas no trânsito, como acidentes ou estradas ruins que dificultam a vida do estradeiro. Ou, na pior das hipóteses, problemas mecânicos que não podem ser descartados, conforme salienta.

O estradeiro Gildo Fenner Neubuser, natural de Roque Gonzales/RS, tem 42 anos e 12 de profissão. Está casado há 10 anos e tem um filho de dois anos. Admite a dificuldade para passar as festas de final de ano em casa, pois rodando entre São Paulo e Buenos Aires é complicado estabelecer uma programação efetiva para as viagens. Lembra que quase sempre é preciso esperar para carregar e de documentos, liberação nas aduanas e toda a burocracia que envolve o transporte rodoviário de cargas, além de depender da boa ou má vontade do pessoal envolvido nessa atividade. “Tudo é muito complicado”, ressalta.

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Em 12 anos na profissão, Gildo Neubuser acredita que tenha passado apenas cinco festas natalinas com a família

Durante os 12 anos que está na estrada acredita que tenha passado apenas cinco deles em festas natalinas com a família, os demais sempre trabalhando. E nessas ocasiões “é inevitável uma ponta de tristeza, então é hora de ligar pra mulher e pra família e desejar boas festas.” Para este ano ele projeta trabalhar até o dia 22 de dezembro e dar uma parada. Quer descansar uns dias em casa e também aproveitar para fazer uma revisão geral no caminhão. “Afinal, ninguém é de ferro”, afirma.