Por Larissa Andrade

A crise financeira na Espanha não é nenhuma novidade: um em cada quatro espanhóis está desempregado, o consumo se retrai, o endividamento cresce e os impostos aumentam na tentativa de equilibrar as contas. O setor de transporte de carga também entrou nas estatísticas e as vendas de caminhões cairam quase 25% nos primeiros oito meses de 2012 em relação ao mesmo período do ano passado. Além disso, mais de duas mil transportadoras fecharam suas portas desde 2008, de acordo com dados da Confederação Espanhola de Transportadores por Estradas (CETC, na sigla em espanhol). O número é resultado da queda no volume transportado, que caiu quase 20% só no primeiro trimestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2011.

Tanto motoristas autônomos quanto as grandes transportadoras se vêm afetadas pelo péssimo momento da economia do país, e para reduzir custos e conseguir se manter no mercado adiam a compra de veículos novos, estendem os prazos de manutenção do veículo e se encarregam ao máximo dos cuidados que um caminhão precisa, ao invés de recorrerem a serviços autorizados ou até mesmo a reparadores independentes. Isso é o que aponta um estudo realizado este ano pela Fundação Espanhola para a Segurança Viária (Fesvial) e Scania com o objetivo de analisar como a crise afeta o motorista de caminhão. O estudo considerou veículos a partir de 3,5 toneladas de PBT.

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Para a coordenadora de projetos da Fesvial, Cristina Català, o resultado da análise não é uma surpresa. “O fato de fazer um estudo para saber como a crise estava afetando os motoristas já demonstrava que havia um impacto. Estudos feitos por nós em 2009 e 2011 mostraram que a situação atingia os condutores de veículos espanhóis leves e pesados. Percebemos que o problema, além de atingir economicamente, se estendia também à segurança”, disse a coordenadora. Realizado com 283 motoristas espanhóis, o estudo revela que 85% dos entrevistados adiaram a ideia de comprar um veículo novo, o que deve impactar de maneira decisiva no envelhecimento da frota de pesados. Executivos da Scania espanhola consultados disseram que “a incerteza econômica que pesa sobre a Espanha está se refletindo de maneira ativa no setor de transportes e que os próximos três meses serão decisivos para ver como fica o mercado.

Manutenção

Além de adiar a renovação da frota, os motoristas espanhóis estão também gastando menos e adiando a manutenção do caminhão, o que pode trazer riscos para todos. O estudo mostra que 62% dos motoristas são os responsáveis pela manutenção dos caminhões que conduzem; 39% ampliam e atrasam a troca de pneus, freios e amortecedores e 34% estendem o intervalo de manutenção estabelecido pelo fabricante.

As montadoras se encontram em situação difícil, tanto no que se refere à comercialização de novos veículos como no pós-venda, já que 65% dos motoristas disseram que estão indo menos às oficinas das concessionárias para fazer a manutenção do caminhão. A situação é delicada, destaca Cristina Català. “Ao invés de levar os veículos ao concessionário, os motoristas fazem a manutenção por conta própria e isso é um grande perigo, pois temos uma tecnologia cada vez mais avançada que exige o conhecimento de componentes eletrônicos”, acrescenta

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Os executivos da Scania espanhola confirmam o cenário e dizem que o pós-venda não é alheio à situação econômica e está sendo diretamente afetado, já que há menos veículos em circulação e percorrendo menos quilômetros. Lamentam que alguns clientes tentam reduzir seus custos em curto prazo e dizem que essa prática costuma repercutir negativamente na conta do veículo. No entanto, dizem também mantém os níveis de faturamento estabelecidos, graças à ampla oferta de serviços da rede. A montadora afirma também que mais de 50% das unidades novas são comercializadas com alguma variante de contrato de reparação e/ou manutenção. Outro aspecto interessante – em que as montadoras também estão em desvantagem – é que 31% dos transportadores afirmam que suas empresas estão adquirindo menos elementos de segurança opcionais na hora de comprar caminhões novos.

Mas “apertar os cintos” e reduzir custos não tem sido exclusividade apenas dos motoristas de caminhão, pois segundo os profissionais ouvidos pela pesquisa, a formação recebida também foi afetada. Em relação à segurança e técnicas de condução, por exemplo, houve reduções. Pela pesquisa, 46% reconheceram que a formação tem sido menor, ou até mesmo inexistente, enquanto 31% afirmam continuar recebendo a mesma formação, e outros 23% – quase um em cada quatro – declaram nunca ter recebido qualquer tipo de formação. Um dado alarmante.

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Os carreteiros entrevistados no estudo relataram também mudanças de comportamento que podem impactar ao volante. Para 43% deles, os motoristas estão mais nervosos, agressivos e distraídos, apesar de apenas 29% reconhecerem que sua própria postura ao volante também mudou nesses aspectos. Além disso, um em cada três motoristas que antes pernoitava em hotéis passou a dormir na cabine do veículo. O número é maior ainda entre os veteranos, com mais de 25 anos de profissão, chegando a 42%. Outro dado que chama a atenção é que 22% dos motoristas afirmam trabalhar alguma hora ou dia mais do que trabalhava antes. Com mais trabalho, menos conforto e muita pressão, os reflexos são inevitáveis na condução.

Lado positivo da crise
Nem todas as consequências da crise são negativas. De acordo com o estudo da Fesvial e da Scania, os condutores passaram a utilizar mais técnicas de condução eficiente e revisam com maior frequência os pneus com o intuito de reduzir o consumo de combustível. Entre os 75% que atualmente realizam uma condução mais econômica, 95% declaram revisar a pressão dos pneus corretamente, 87% usam marchas longas, fazem poucas mudanças, 87% desliga o motor quando o veículo está parado para carregamento e descarregamento, 86% não conduzem de forma brusca, 79% reduzem o limite de velocidade, 68% utilizam o ar-condicionado e a calefação de forma racional e 55% utilizam o GPS para otimizar suas rotas. Cristina Català complementa: “o que podemos dizer de positivo é que eles têm mais medo de ser multados e isso implica no respeito às normas de trânsito”. O estudo mostra que 92% dos entrevistados têm mais medo de receber multas pelo gasto representado por elas.