Por Evilazio Oliveira

As possibilidades de financiamento para a compra de caminhão novo ou a troca por um modelo mais atual, com taxas de juros mais em conta, ainda são vistas com desconfiança por grande parte dos carreteiros autônomos. Isso acontece, sobretudo, pela quantidade de exigências e garantias solicitadas pelos agentes financeiros, além das incertezas relacionadas com a recente Lei do Motorista, que restringe o horário de trabalho e, consequentemente, da renda ao final de cada viagem.

6851t
Dono de cinco caminhões, Marcos Fragoso obteve financiamento para a compra de mais três veículos, sendo que um deles, através do Procaminhoneiro

Apesar de algumas facilidades na obtenção de crédito, como programas especiais e juros reduzidos, bancos e financeiras se ressentem de um grande número de ações revisionais, em que o prestamista recorre à Justiça na tentativa de obter redução nas taxas de juros e maior prazo para o pagamento da dívida. Com isso, conforme uma fonte do setor financeiro (que pediu para não ser identificada), muitas instituições analisam muito criteriosamente os cadastros do candidato ao financiamento, gerando atrasos, solicitação de mais garantias e, frequentemente, o indeferimento da operação. Muitas vezes acontece do candidato precisar encaminhar a documentação mais de uma vez porque, em razão da demora na análise, esses documentos perderam a validade.

Apesar de toda a burocracia, o autônomo Marcos Fragoso, com 49 anos de idade e 30 de profissão, natural de Uruguaiana/RS e dono de cinco caminhões que atuam no transporte internacional de cargas, obteve financiamento para a compra de mais três cavalos-mecânicos. Um dos financiamentos, através do Procaminhoneiro, liberado pelo Banco Itaú para a compra de um Iveco 2013, demorou apenas uma semana. Precavido, acabou só comprando o Iveco e preferiu esperar o comportamento do mercado e ver como vai ficar a Lei do Motorista para decidir se compra os outros dois caminhões, conforme o planejado.

6852t
Antônio diz que comprou o primeiro caminhão em 1995 e desde então não parou mais de trocar de caminhão por modelos mais novos e sempre financiados

Desde 2001 quando adquiriu um Mercedes-Benz financiado, ele tem feito outras compras e zelando pelo crédito, conforme diz. E, em razão deste “currículo” é que tem facilidade na liberação dos financiamentos. Mas tudo com os pés no chão, garante, lembrando que sozinho não teria condições de pagar as mensalidades do Iveco – comprado com prazo de 60 meses e três meses de carência – ele precisa recorrer ao rendimento dos outros caminhões e sem fazer o seguro total, porque daí seria inviável. Também critica os horários impostos pela nova legislação, que dificulta a vida do autônomo, além da falta de incentivos para quem realmente deseja trabalhar.

O carreteiro Antonio Alvenir Comis Junior, 39 anos e 21 de volante, começou trabalhando com um tio no transporte de arroz do Rio Grande do Sul para São Paulo. Em l995 comprou um Mercedes 72 parcelado, daí para frente não parou mais de trocar caminhão, sempre financiado e sempre por modelos mais novos. Agora, acaba de negociar um Scania 2011 através do CDC Bradesco, com um juro alto, conforme ressalta. Já o semirreboque, financiado pelo Procaminhoneiro, com um juro mais acessível, porém foi uma operação demorada e cheia de exigências, de documentos e muita burocracia.

6856t
Com a Lei que reduz a carga horária do motorista, João Martins decidiu vender dois dos quatro caminhões que tinha e comprou um modelo mais novo com sider

Alvenir lembra que o cavalo-mecânico foi comprado com entrada de 20% do valor total, prazo de 60 meses e três de carência. O semirreboque, por sua vez, adquirido com 10% de entrada, 72 meses de prazo e igualmente três meses de carência. Ele esperou cerca de oito meses pela liberação do financiamento e precisou atualizar a documentação várias vezes, porque caducavam em razão da longa espera. Fez seguro do caminhão na cooperativa onde é associado, que dispõe de planos especiais e acessíveis. Caso contrário não teria condições, enfatiza.

Além da preocupação com a prestação alta que vai pagar mensalmente, ele também se preocupa em obedecer a Lei do Motorista. Comenta que possui outros dois caminhões rodando no transporte internacional e com dois motoristas que também precisam cumprir os horários de paradas para descanso. Admite que sem a plena liberdade para trabalhar vai ficar apertado para pagar todas as obrigações. Os seus caminhões operam nas linhas nacionais e internacionais e ele já foi visitado por fiscais do Ministério do Trabalho que queriam saber se a Lei estava sendo cumprida. Por isso, segundo diz, tem esperança de que essa legislação mude logo ou a situação vai ficar muito difícil.

6854t
Dono de caminhão fabricado em 1987, Daniel Mendes afirma não ter condições de trocá-lo por outro mais novo por meio de financiamento bancário

Outro carreteiro autônomo que acaba de comprar um caminhão “quase novo”, é o João Martins, natural de São Marcos/RS. Com 59 anos de idade e 34 de estrada, e atuando no transporte internacional, ele conta que se apavorou com a redução da carga horária imposta pela nova Lei do Motorista. Com isso, decidiu vender dois dos quatro caminhões que tinha na rota Brasil e Chile e ficou com R$ 200 mil no bolso, mas sem saber o que fazer, conforme contou. Disse que ao analisar a situação e concluido que havia passado quase toda a vida na boleia de caminhão, decidiu que o melhor mesmo era seguir na atividade. Procurou e encontrou um caminhão como queria, um Scania 2011, com 22 mil quilômetros rodados e ótima conservação. O negócio foi fechado em Curitiba/PR. Deu R$ 200 mil e financiou R$ 75 mil pelo Banco Bradesco, em 36 meses. Com uma mensalidade de R$ 2.700,00. Depois comprou um sider pelo Procaminhoneiro, liberado pelo banco da própria empresa fabricante do implemento. Ele lembra que essas operações demoraram cerca de três meses para serem concretizadas, apesar de ter dado um sinal de 10% do valor da compra na hora em que efetuou o pedido. Porém, acredita que tudo deveria ser feito e decidido com mais agilidade, já que tempo é dinheiro e todos precisam trabalhar. Mesmo assim, disse estar feliz.

Sem a necessidade financiamento ou encaminhamento de documentação e garantias, o carreteiro Daniel Neu Mendes, 35 anos e 15 de profissão, natural de São Borja/RS, comprou um Mercedes 87, com carreta, por R$ 65 mil num negócio de pai para filho, conforme reconhece. Ele comprou o caminhão do amigo Áureo Pereira da Silva Junior, o Caçapava – um antigo jogador de futebol – dando uma caminhonete D20, ano 89, como entrada, no valor de R$ 30 mil e o restante para ir pagando conforme o caminhão fosse dando lucro.

6855t
Manuel Acunha diz ter voltado a ser empregado após ter perdido imóveis por não ter conseguido pagar a prestação de um caminhão que financiou

Dentro de um ano a dívida estava paga, apesar de todos os reparos que precisou fazer no caminhão. Hoje ele tem proposta para comprar um caminhão mais novo nas mesmas condições – na palavra – mas depende da venda do atual, que também precisa ser “na palavra”. Mas não está fácil, reconhece. Apareceram alguns candidatos, porém os “currículos não ajudaram”. Por isso, vai levando, já que não tem condições de pretender um caminhão caro, com financiamento bancário. “Não dá pra encarar”, sorri. Ele viaja entre Brasil e Argentina e elogia a Lei do Motorista, afirmando que agora sobra frete, com menos caminhões rodando em razão da necessidade de cumprir os horários de descanso.

Manuel Acunha Filho, 61 anos e 41 de direção, natural de Uruguaiana/RS, já trabalhou no transporte internacional. Foi boiadeiro e agora transporta arroz da lavoura para as indústrias ou fazendo entregas na região, enquanto aguarda a aposentadoria. Lembra, amargurado, que perdeu uma casa e três terrenos na cidade por ter comprado um caminhão com carreta no valor de R$ 60 mil. Atrasou os pagamentos e com os juros altos, a coisa complicou. Ao final, um acidente foi decisivo para estabelecer o caos. Desiludido, voltou a trabalhar como empregado, e com a vantagem de ter um salário fixo e ficar sempre perto a família. Confessa que a tentativa de ter o seu próprio caminhão foi um desastre e que lhe deu um prejuízo enorme e muitas dores de cabeça.

6853t
Motorista de uma transportadora, Rafael Peixoto comenta que é difícil ter caminhão próprio, apesar das facilidades de financiamento anunciadas

Para o carreteiro Rafael Peixoto, 30 anos e 10 de profissão, natural de Santa Maria/RS e trabalhando como motorista de uma transportadora de São Paulo, é difícil pensar em ter caminhão próprio, apesar das anunciadas facilidades de financiamento. Lembra que a concorrência é muito grande no setor, não existe união entre os motoristas, além disso, as estradas estão cada vez mais perigosas, até mesmo por irresponsabilidade de alguns colegas. Então, de uma hora para outra pode acontecer um acidente e todo o patrimônio da pessoa se perder, quando não se perde a vida também, avalia. Também cita a necessidade de cumprir os horários de descanso impostos pela Lei do Motorista como um problema a mais para o estradeiro que tem seu próprio caminhão – ou que esteja pagando uma prestação alta. Por tudo isso, “no momento é melhor continua trabalhando como empregado”. Rafael Peixoto viaja entre São Paulo e Buenos Aires ou São Paulo e Chile, rodando entre oito e 10 horas por dia e afirma ser tudo muito tranquilo.