Por Edmilson de Souza

É impressionante como algumas coisas não mudam. Na década de 70, a Revista já tinha abordado o tema sobre o caminhão fazer o papel de depósito, uma das reclamações mais comuns dos motoristas da época. Ao invés do termo ter alguma coisa a ver com o sistema fi nanceiro na verdade signifi cava que o receptor de carga, indústrias e redes de supermercados, transformavam o veículo carregado numa espécie de estoque. Chegava a permanecer parado por vários dias em seus portões, até precisarem do produto e desta maneira criavam um grande problema para o bolso e a saúde do carreteiro. Os anos passaram, vieram várias tecnologias, como computação, celulares, sistemas de monitoramento, internet e outras, mas nada disso acabou com o velho dilema.

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Para Leandro Machado, certas empresas transformam os caminhões em depósitos e reduzem o número de viagens dos carreteiros

Os ganhos diminuem para o motorista, que encontra empecilhos até para carregar. Como muitos trabalham por comissão, ou seja, por viagens, a espera afeta diretamente nos ganhos. “Eles transformam a gente em depósito e com isso faço apenas duas viagens por semana, enquanto o ideal seriam duas a cada 24 horas”, reclama o gaúcho Leandro Machado, de 24 anos de idade, que trabalha por comissão.

Seu colega, Paulo Siqueira Ribeiro é empregado, mas diz que também sofre para descarregar. “Faço entrega em grandes redes de supermercados na cidade de São Paulo e geralmente chego na quarta-feira e sou liberado somente na sexta”, conta. Ainda de acordo com Paulo Siqueira, a explicação é que por eles não venderem os produtos que estão nas prateleiras não há lugar para colocar a mercadoria nova. “Mandam a gente esperar. É sacanagem! Se eu não tivesse estes tipos de problemas faria quatro viagens do Rio Grande do Sul para São Paulo ao mês, mas consigo apenas duas”, reclama.

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Na opinião de Ricardo Britzke, que também perde mais de um dia para descarregar, o volume de caminhões é muito grande

“Acredito que estou perdendo quase 1,5 mil reais brutos por mês com as esperas”, calcula o gaúcho Ricardo Britzke, 32 anos de idade. Solteiro e empregado, ele também ganha por comissão. “Acho que o maior problema não é este. A dificuldade é a falta de cargas, porque tem caminhão demais”, opina Ricardo. Outro motorista, Márcio Antônio Félix, empregado, 32 anos de idade, que na ocasião da reportagem encontrava-se com a esposa Luiza e o filho Matheus, acha que deixa de ganhar de 200 a 300 reais por semana devido aos dias parados para descarregar.

Além da perda de tempo perdido para descarregar há outro velho problema que afeta os motoristas: a estrutura de espera. “Às vezes não temos onde tomar banho e também não podemos entrar em alguns estacionamentos de empresas com a família. A mesma difi culdade era enfrentada na ocasião por Alex Dullus que estava com a fi lha Izamara, em férias escolares. Ele concorda com as reclamações de seus colegas e acrescenta que o carreteiro se tornou um depósito ou estoque, mas a transportadora não perde, porque ganha diária, enquanto, segundo ele, o motorista recebe por quilômetro rodado. “Às vezes, os supermercados compram mercadorias porque estão em promoção, mas não têm lugar para colocá-las e por isso fazem a gente esperar”, exemplifica.

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O chileno Cristian Morales não tem problemas para carga e descarga, mas reclama da demora nas fronteiras, que pode chegar até a 15 dias

Quando se trata de viagens internacionais, a dificuldade tem outro tiro. Cristian Morales, de 32 anos de idade, que dirige como empregado e mora em San Bernardo, Chile, cidade próxima a Santiago, vê difi culdade apenas nas aduanas, nas fronteiras. “Viajo para o Paraguai, Argentina e Brasil e acho que perdemos muito tempo nas fronteiras. Às vezes fi co dois ou três dias, mas pode chegar a 15 dias”, diz. Mas nas esperas entre carregar e descarregar, Cristian recebe diária de 10 dólares. “Eu não perco e nem me preocupo com cargas. A minha empresa é quem resolve tudo isso tudo”, conclui. Com salário de 600 dólares mensais, ele aparenta estar num patamar acima dos motoristas brasileiros.