Por Larissa Andrade

Enquanto no Brasil o valor das cargas roubadas cresceu 30% em apenas cinco anos, passando de R$ 735 milhões para R$ 960 milhões no ano passado, segundo dados da NTC (sem levar em conta os valores que não foram computados porque não estavam assegurados), na Espanha os roubos correspondem a apenas cerca de 20% dos acionamentos de seguro e o gasto desse serviço representa 5% na planilha de custos geral do transportador.

O diretor de transporte, artes e patrimônios da Nationale Suisse, Pablo Ibars, cita os avanços do mercado europeu e explica que no que se refere à Europa ele acredita que existem dois exemplos muito importantes que ajudaram o desenvolvimento do mercado em geral, e mais concretamente o de transporte. Por um lado, a União Europeia facilita a circulação de mercadorias por todo seu território. Por outro – e mais específico do setor – o Convênio CMR, o qual unifica tudo o que é relativo às pessoas que intervêm no contrato: a documentação do transporte, o âmbito de responsabilidades, assim como as possíveis reclamações que possam se produzir.

Na Europa, qualquer pessoa que adquire um veículo, seja uma moto, um carro ou um caminhão, é obrigada a ter um seguro obrigatório de Responsabilidade Civil – mais conhecido pelo termo RC. No caso de um automóvel que se envolve em um acidente por culpa do condutor e destrói, por exemplo, uma placa de rodovia, o seguro ressarce o dano do Estado ou da empresa concessionária. O secretário geral da UETR (Associação Europeia de Empresas de Transporte Rodoviário, na sigla em inglês), Lode Verkinderen, explica que em alguns países da Europa esse seguro de RC muitas vezes não tem um limite de valor de ressarcimento, podendo superar dezenas de milhões.

Verkinderen cita outros dois tipos de seguro mais comuns: “Além do RC, também há o seguro do caminhão em si, que é bastante lógico ser contratado para caminhões com até quatro anos de uso. E o terceiro tipo é o seguro do produto. Na Europa há uma legislação específica sobre esse tema, a CRM estabelece, entre outras coisas, que o produto deve chegar dentro do tempo estabelecido e em bom estado. Atualmente, mais de 90% das empresas de transporte adquirem os três tipos de seguro mencionados”, explica Verkinderen.

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Lode Verkinderen explica dos diferentes tipos de seguro que existem no continente europeu para o segmento

O problema é que na cadeia do transporte de carga há muitas empresas envolvidas, o que pode gerar confusão sobre o papel de cada um dos players, que costumam ser o importador/exportador/fabricante, o intermediário (pessoa física ou jurídica que se encarrega da gestão do transporte) e o transportador, ou seja, aquele que efetivamente leva a carga da origem até o destino.

Segundo Pablo Ibars, o importador exige cada vez mais o seguro diretamente do intermediário ou do transportador, o que acaba impactando no custo do serviço, já que o seguro corresponde, na Espanha, a 5,3% do custo mensal de um veículo articulado de carga geral. A participação dos seguros nos gastos gerais é de 3% superior à manutenção, que é de 1,7%.

A crise espanhola está afetando de maneira significativa os transportadores, especialmente os autônomos. Desde 2009, quando a crise começou a dar seus primeiros sinais, mais de 20 mil empresas de transporte no país deixaram de funcionar, segundo dados da Federação Nacional de Transporte. Isso porque o volume de cargas transportado caiu cerca de 40% no período.

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A exigência cada vez maior do intermediário ou do transportador impacta no custo do serviço, diz Pablo Ibars

No cenário negativo, a tendência é cortar gastos, mesmo que muitas vezes eles sejam necessários. O presidente da Fetransa (Federação Nacional de Transporte de Mercadorias), Jorge Martín Serrano, confirma a situação. “Ao longo da crise, o número de roubos tem crescido de maneira alarmante. O problema é que os transportadores cada vez mais têm de adequar suas estruturas de custos devido à forte queda dessa atividade. Infelizmente, muitos autônomos não podem assumir os gastos dessas coberturas e quando há alguma incidência, eles têm que pagar por ela e isso pode fazer com que ele chegue, inclusive, a deixar a atividade”.

Pablo Ibars, da Nationale Suisse conta desde a perspectiva da seguradora, como a crise tem afetado a questão da segurança no transporte. “No que se refere a apólices que amparam os danos ou perdas de mercadorias, normalmente as pequenas empresas e os autônomos preferem as apólices que cobrem sua responsabilidade de acordo com o estabelecido com a lei vigente”. Ou seja, acabam optando pelo seguro obrigatório de RC e não fazem o seguro da mercadoria. O risco é alto, porque o RC não cobre, por exemplo, a perda da carga devido a roubo a mão armada.

Entre aqueles que preferem manter os seguros, o problema pode aparecer na hora em que o transportador precisa dele. “O que estamos vendo com a crise é que cada vez mais as companhias colocam problemas e travas nos casos de sinistro na hora de pagar o valor correspondente”, explica o presidente Jorge Martín Serrano, da Fetransa.

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Muitas seguradoras se preocupam mais em vender novos seguros do que informar sobre a apólice, diz Jorge Serrano

Ele diz que esse não é o maior problema dos autônomos no que se refere aos seguros, mas sim a falta de informação, que acontece dos dois lados. “As grandes empresas de transporte têm um profissional responsável especializado que sabe que tipo de produto sua empresa precisa na hora de contratar um seguro. Para o autônomo não é assim, infelizmente; porque ele não pode estar ao mesmo tempo dirigindo e ser um especialista em contabilidade, em previdência, em seguros”. Ainda segundo Serrano, enquanto há uma falta de conhecimento específico do carreteiro, muitas seguradoras também falham ao se preocuparem mais em vender novos seguros do que informar realmente as coberturas da apólice e solicitar informação ao transportador para poder cobrir suas necessidades reais.

Além dessa relação aberta e direta com a seguradora, o transportador deve manter o mesmo tipo de contato com todos os elos da cadeia para evitar outro problema comum no setor, que é a sobreposição de seguros. “Em muitos casos há coberturas duplicadas por diferentes figuras asseguradas e outros pontos que ficam sem cobertura”, diz Serrano. Nessa situação, além do evidente problema de não ter alguma situação coberta, a cobertura em duplicidade resulta em um gasto desnecessário, o que é obviamente indesejado e prejudicial ao negócio.

Diante desse cenário pessimista, uma das soluções encontradas por autônomos e pequenas empresas é a união. “Através das associações informamos sempre ao grupo de transportadores e buscamos estabelecer convênios de colaboração com agentes e companhias de seguros, para obter vantagens e preços competitivos para os associados”, explica Serrano.

No Brasil, a figura do intermediário (pessoa física ou jurídica que se encarrega da gestão do transporte) no processo não é tão presente, mas na Europa ele tem um papel fundamental. “O intermediário é necessário principalmente no transporte feito entre países ou quando se exige distintos meios de transporte, por exemplo, rodoviário e marítimo”, explica o advogado especialista em Transportes e Seguros Francisco Sánchez Gamborino. Ele conta que o tipo de seguro mais importante para o transportador é o de RC (Responsabilidade Civil), que inclui perdas ou danos por não cumprir sua obrigatoriedade de entrega íntegra da carga e atraso na entrega. Já o proprietário da carga que contrata o transporte costuma fazer (ou exigir do transportador) o seguro da mercadoria, que pode ter diversos tipos de cobertura: desde aquelas que incluem perda ou danos à carga, até roubo a mão armada, catástrofes naturais, etc.

Seguro
no Brasil
Um dos problemas do seguro no Brasil é o alto custo para o transportador, maior ainda para o pequeno. A situação é delicada também porque alguns dos pontos que incidem diretamente na formação do preço dos seguros são – além dos dados sobre roubos de carga – as condições das rodovias brasileiras. Levantamento feito pela seguradora Freightwatch mostra que o risco de roubo no Brasil é extremo, assim como no México – são os dois únicos países nas Américas que mostram esse resultado alarmante, porque a maioria dos demais países apresenta risco moderado.

Os problemas encontrados no Brasil tornam o País o sétimo mercado em seguro de transporte de produtos. Apenas no ano passado, as empresas brasileiras de transporte gastaram US$ 654 milhões em seguros. À frente do Brasil no volume de gastos estão países como Alemanha, França e Inglaterra. Mas porque eles investem tanto em seguro  se lá as chances de ter o caminhão ou a carga roubada são bem menores? As respostas são várias e elas mostram que o mercado europeu apresenta uma maturidade que o Brasil deve ter como exemplo para seguir avançando.