Por Daniela Giopato

Assim como em outras áreas que antes eram dominadas pelos homens, há anos o trabalho de carreteiro é realizado também por mulheres. Tornou-se comum, ao ponto de que ninguém mais estranha quando vê uma carreta, mesmo um caminhão médio ou pequeno sob controle de braços femininos. Umas herdaram a habilidade da família, outras ingressaram por acaso. Têm ainda aquelas que simplesmente seguiram um sonho. Qualquer que seja a explicação, o importante é que, cada dia mais, as empresas apostem nelas, e um dos motivos, conforme dizem, é por serem mais cuidadosas com o caminhão, com a carga e principalmente com os clientes.

No caso da maranhense Lilia Rodrigues da Silva, 47 anos de idade e 28 de profissão e 34 morando em Canoas/RS, a vontade de se tornar motorista de caminhão veio com o pai, que era autônomo e viajava pelo País. Desde pequena o acompanhava nas viagens e quando completou 18 anos começou a revezar com ele a direção do Mercedes-Benz 1111. Esse período de aprendizado fez com que a paixão por caminhão e pela a estrada aumentasse e, logo após completar a maioridade, Lilia já com CNH Categoria E conseguiu o seu primeiro emprego como carreteira.

2525t
Cleusa Mohr lembra que lutou bastante para conseguir o primeiro emprego de motorista e hoje é dona de um caminhão baú

“Esse senhor que me deu a oportunidade sempre me disse que quando estivesse pronta trabalharia com ele”, lembra. Após a experiência inicial, Lilia conseguiu uma oportunidade em uma grande transportadora e depois dirigiu ônibus durante 15 anos. Quando retornou ao segmento de transporte rodoviário de cargas ingressou na Spolier, onde dirige um Scania 124, ano 2007, e transporta ferro e polietileno para vários Estados. “Estou na empresa há cinco meses, mas parece que já se passaram 10 anos. Não adianta, a minha paixão é mesmo o caminhão e viajar”, ressalta.

Lilia conta que nunca sofreu nenhum tipo de preconceito e diz que os motoristas sempre demonstraram admiração. “Nunca dei liberdade, sempre soube qual era o meu lugar e até onde podia ir , sem perder a feminilidade”, acrescenta. Ela pensa que o mercado de trabalho esteja melhor hoje para as mulheres, porque as empresas se surpreendem quando as contratam para trabalhar. “Sempre escuto que nós somos mais cuidadosas, educadas e tratamos melhor o cliente. E como também recebemos esse mesmo tratamento, a relação se torna bem mais fácil”, finaliza.

2521t
Filha de carreteiro, a maranhense Lilia Rodrigues herdou do pai o gosto pela profissão, na qual está há quase 30 anos

Há 10 anos na profissão e 37 de idade, a gaúcha Cleusa Mohr, que atualmente vive em Campo Grande/MS, concorda com a colega e afirma que a maioria dos empresários do transporte com quem já trabalhou tem a opinião de que mulher no volante significa mais cuidado, menos manutenção e menos tempo parado na oficina, além de responsabilidade de horário e tratamento diferenciado ao cliente. “Claro que antes de provar a nossa competência não tínhamos muita credibilidade. Mas hoje os transportadores confiam no nosso trabalho e as portas se abriram. O importante é traçar um objetivo e não desistir diante dos “nãos”. Eu mesma ouvi muito por não ter experiência registrada em carteira. Mas depois de superada essa fase tudo fica mais fácil”, aconselha.

Cleusa lembra que lutou muito para conseguir o primeiro emprego, demorou mais de seis meses para conquistá-lo. O fator principal que a atraiu para a estrada foi a possibilidade de viajar, conhecer pessoas e lugares, e vivenciar situações diferentes, pois sempre detestou a rotina. Porém, foi apenas aos 27 anos de idade que tirou a CNH Categoria E e teve o registro em carteira em uma cooperativa. “Encontrei pessoas que apostaram na minha capacidade, me deram uma chance e eu a aproveitei. Na época dirigia um Mercedes-Benz 608 e transportava ovos na região. Fiquei dois anos, mas logo meu filho nasceu e resolvi dar um tempo”.

2523t
Após três anos de trabalho junto com o tio, Marilucy Gomes teve certeza de que queria ser uma carreteira e viver da profissão

Quando parou, Cleusa investiu o dinheiro em terrenos, pois o seu objetivo sempre foi ter o seu próprio caminhão. Com as economias que fez desde o início, o rendimento dos terrenos e ajuda do marido ela comprou um Volkswagen baú 7-110 e decidiu retornar a estrada como autônoma. Hoje, transporta mudanças e merenda escolar dentro do município. “Fico mais na região, pois o frete compensa. Além disso, não gosto de me afastar muito de casa. Cleusa contou com a ajuda da sogra no início e hoje da irmã, que ela classifica como seu braço direito. “Não é fácil essa vida dupla. Mas graças a Deus consigo conciliar as duas coisas que mais amo nessa vida: minha família e o caminhão”.

Paixão por caminhão também foi o que impulsionou Marilucy Auxiliadora Gomes Pedroso, 29 anos de idade, de Dourados/MS, a escolher a profissão de motorista. Há cinco anos no volante, Marilucy começou ajudando o seu tio na entrega de verduras com um caminhão toco. Neste período, que durou mais de três anos, teve a certeza que queria passar o resto da vida trabalhando como carreteira. “Quando me senti pronta resolvi ir atrás do meu sonho de buscar a primeira oportunidade em uma empresa”.

2522t
Há 12 anos, Maria José foi perseverante para conseguir realizar seu sonho de ser motorista de caminhão, mesmo contra a vontade dos pais

 

Marilucy também enfrentou dificuldades para conseguir o primeiro emprego. Lembra que foram cerca de sete meses insistindo para ser contratada. “Telefonava todos os dias, acho que talvez por cansaço decidiram me dar uma chance”, lembra. Atualmente ela trabalha no Grupo Schincariol, na região de Santa Catarina, onde mora, e afirma que só recebe elogios, pois todos se surpreenderam e estão contentes com o seu desempenho e cuidado com o caminhão que está sempre impecável. “Minha mãe sempre me apoiou e sente orgulho por eu ter conseguido e desempenhado bem o meu trabalho. Na verdade acho que estava no sangue e eu nem sabia, pois meu pai dirigia trator”. Sua meta para este ano é tirar a CNH Categoria E para crescer na empresa. “É como um amigo sempre me dizia, bata sempre na porta, pois uma hora ou outra uma vai se abrir”.

E foi justamente a perseverança que ajudou Maria José de Carvalho, 30 anos de idade e 12 de profissão, de Bragança Paulista/SP, a realizar o seu sonho de trabalhar como motorista de caminhão, assim como fazia o seu pai. Segundo ela, todos eram contra essa decisão. “Meu pai não acreditava que um dia eu conseguiria e sempre me dizia que não devia seguir esta profissão. Ele queria que me formasse em direito e contra a minha vontade conseguiu, apesar que nunca segui carreira, pois queria mesmo era dirigir caminhão”.

2520t
Com apoio de sua mãe, motorista de van, Alessandra Pereira aprendeu a dirigir aos 13 anos e arrumou emprego por meio de anúncio em jornal

As tentativas do pai não se esgotaram e para afastá-la da idéia resolveu vender o caminhão e comprar um táxi. Com a desculpa de ajudá-lo, Maria, ao tirar a CNH Categoria D aproveitou para trocar pela E e assim estar documentada para poder dirigir carreta. Como última alternativa, o pai vendeu o táxi e montou um restaurante. “Depois de um tempo ele teve um enfarte, vendeu o restaurante e fomos morar em Atibaia. Foi então que li em uma revista sobre a contratação de mulheres na Braspress e resolvi arriscar. Fiz o teste de direção, passei e já estou na empresa há quase cinco anos”.

Durante dois anos Maria trabalhou com caminhão pequeno, um Mercedes-Benz 710, mas sempre dizia ao seu chefe que queria mesmo era dirigir carreta. “Ele me dizia que assim que eu estivesse pronta ele me daria uma oportunidade, e cumpriu a promessa.” Por enquanto Maria trabalha com coleta e aguarda a linha para realizar a primeira viagem. “Estou muito feliz. Agora sim me sinto realizada”. A carreteira, que retornou da licença maternidade há um mês, afirma que nem se importa com a jornada dupla. “Quando se faz o que gosta nada é cansativo. Além do mais, meu marido divide as tarefas domésticas, então tudo fica ainda mais leve”.

Maria se considera um exemplo para as futuras candidatas e afirma que hoje muitos empresários concordam que a mulher é muito mais calma, mais prática, consegue contornar situações difíceis e dirige com cuidado e segurança. “Quando se tem um sonho devemos acreditar e ir atrás. Eu digo com todas as letras que vale a pena passar pelas barreiras para trabalhar no que se gosta”.

Ao contrário da história de sua colega de empresa, Alessandra de Souza Pereira, 33 anos de idade e seis de profissão, de Guarulhos/SP, teve apoio de sua mãe, que sempre foi motorista de vans, para ingressar na carreira. “Ela que me inspirou, pois desde pequena eu e minha irmã acompanhávamos ela no trabalho. Aos 13 anos eu já sabia dirigir e com 18 não perdi tempo em tirar minha CNH”.

Depois de ler um anúncio no jornal, Alessandra também decidiu arriscar e foi até a Braspress. Foi contratada após dois meses e durante três anos também dirigiu um caminhão pequeno, um Mercedes-Benz 1215, com entregas urbanas na região do ABC Paulista. Não pensava em dirigir carreta, porém, por insistência de seu chefe acabou mudando para a Categoria E. “Há dois anos estou com carreta e não vejo a hora de viajar pela primeira vez. A adaptação foi difícil, mas hoje eu tiro de letra. A receita é ter muita força de vontade, pois só assim conseguimos as coisas na vida”.

Alessandra conta que para as mulheres, às viagens nunca são muito longas, no máximo entre uma filial e outra. A justificativa é a falta de estrutura que ainda existe, como a falta de banheiros adequados. Além disso, a maioria das mulheres enfrenta a jornada dupla. “À disposição no nosso caso tem que ser ainda maior. Afinal não é nada fácil enfrentar estrada, trabalhar o dia inteiro e ainda arrumar a casa, fazer comida, cuidar dos filhos e do marido. Acho que o homem não agüentaria”, brinca.

Mas, como ela mesma diz, com coragem e determinação todo mundo conquista o que quer. “A mulher que diz que não consegue é porque ainda não tentou tudo. Estamos com sorte, pois a imagem que temos nas empresas de transporte é de profissionais cuidadosas, sem vícios, calmas, tranqüilas e sempre com a aparência impecável e isso, hoje em dia, são grandes diferenciais”.