Por Evilazio de Oliveira Fotos Luiz Gonçalves

As discussões para o disciplinamento da atividade do motorista de caminhão profissional é antiga e tem envolvido políticos, empresários e trabalhadores na busca de um consenso que seja do agrado de todas as categorias. O assunto voltou a ser discutido em Porto Alegre/RS, recentemente, durante a 12ª Transpo-Sul – Feira e Congresso de Transporte e Logística – quando o senador Paulo Paim/PT, autor de um Projeto de Lei para criar o Estatuto do Motorista, disse que somente no ano que vem começará a redigir o documento final a ser apresentado ao Congresso. Isso, contando com sua reeleição. Enquanto, nos últimos meses dezenas de sugestões foram apresentadas ao projeto – que serviu apenas como um esboço para o início das discussões, segundo o senador Paim – na estrada os carreteiros pouco sabem sobre o assunto, embora a maioria concorde com a necessidade de uma regulamentação da atividade, sobretudo na questão das horas trabalhadas e legislação trabalhista.

Jorge Luiz Frizzo acredita que serão encontradas alternativas para a questão do tempo de direção e sugere 12 horas de volante intercaladas
Jorge Luiz Frizzo acredita que serão encontradas alternativas para a questão do tempo de direção e sugere 12 horas de volante intercaladas

O projeto de lei nº 271 do senador Paim, que institui o Estatuto do Motorista Profissional, é destinado a regular a atuação no mercado de trabalho dos profissionais, empregados ou autônomos, que têm como ofício a condução de veículo automotor. A intenção, conforme disse o senador, é que o estatuto abranja as categorias do motorista de caminhão, ônibus e de táxi, entre outros, e que regule aspectos como piso salarial, no caso dos empregados, aposentadoria especial, segurança e jornada de trabalho.

O tempo efetivo de direção deve ser diferenciado do tempo em que o motorista fica à disposição da empresa, defende José Carlos Silvano
O tempo efetivo de direção deve ser diferenciado do tempo em que o motorista fica à disposição da empresa, defende José Carlos Silvano

O presidente do Sindimercosul (Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Carga Seca, Líquida, Explosiva e Refrigerada de Linhas Internacionais do Estado do RS), Jorge Luiz Frizzo, acredita que serão encontradas alternativas para a questão do tempo de direção, que tanto têm preocupado o setor. Sugere 12h de volante, intercaladas, ou a alternativa de 750 quilômetros rodados por turno de trabalho. Acredita que o Estatuto deverá beneficiar, igualmente, todos motoristas, sem distinção, funcionários de empresas ou autônomos, para que uma categoria não se beneficie enquanto outra fique livre para rodar sem qualquer tipo de controle, o que seria um grande problema, ressalta.

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Na opinião do presidente do Setcergs (Sindicato das Empresas de Transporte e Logística do RS), José Carlos Silvano, o encontro com o senador serviu para que fossem reforçadas as propostas dos empresários gaúchos em relação ao tema, visando à regulação do trabalho dos motoristas brasileiros. Lembrou que tem acompanhado todas as audiências públicas e as discussões sobre o aprimoramento do Estatuto do Motorista, preocupando-se com questões trabalhistas – constante dor de cabeça para os empresários do setor de transporte – e o tempo efetivo de direção, que deve ser diferenciado do tempo em que o profissional fica à disposição da empresa, entre muitos outros aspectos que precisam ser mais discutidos e analisados.

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A elaboração do Estatuto deve ter a participação de empresários e motoristas, incluindo os autônomos, defende Luiz Alberto Mincarone

Para o presidente da ABTI (Associação Brasileira do Transporte Internacional), José Carlos Becker, é importante que não sejam repetidos os erros cometidos na União Europeia, onde foi aprovada uma legislação responsável por uma acentuada queda no faturamento e no rendimento das empresas. Isso porque não teve a participação de empresários e trabalhadores, incluindo os autônomos, que ficaram de fora dessa lei. Becker considera que na elaboração do Estatuto do Motorista, no Brasil, também seja aprovada uma legislação de trânsito compatível e adequada à legislação trabalhista para essa nova realidade que está sendo discutida.

Para o carreteiro Arquimedes Frasseto de Quadros, o Estatuto para o motorista seria bom desde que as empresas de transporte concordassem com as regras
Para o carreteiro Arquimedes Frasseto de Quadros, o Estatuto para o motorista seria bom desde que as empresas de transporte concordassem com as regras

O assessor da ABTI, Luiz Alberto Mincarone, destaca que ao estabelecer um Estatuto do Motorista, com limites de horário de direção e de descanso, com as devidas adequações à legislação trabalhista, o governo também deve se empenhar na questão do estabelecimento de pontos de estacionamento de caminhões ao longo das rodovias, concedidas ou não; no favorecimento à renovação da frota e de toda uma estrutura capaz de, efetivamente, beneficiar o transporte rodoviário de cargas em termos de empresa e de motorista, incluindo também todas as categorias citadas no estatuto.

O catarinense Orli Fronza acredita que 80% dos motoristas não iriam concordar com a limitação de horário de trabalho, pois cada motorista sabe de si
O catarinense Orli Fronza acredita que 80% dos motoristas não iriam concordar com a limitação de horário de trabalho, pois cada motorista sabe de si

O assessor jurídico da NTC & Logística, Marcos Aurélio Ribeiro, lembrou que as discussões sobre o horário de direção são antigas, ganhando maior repercussão a partir de 2008, quando o procurador do Ministério Público do Trabalho do Mato Grosso, Paulo Douglas Moraes, limitou em oito horas diárias a jornada de trabalho dos motoristas em todo o País, mas que acabou caindo por força de liminares na Justiça. Salientou que o assunto é complexo e precisa ser muito discutido, lembrando os inúmeros encontros que tem participado para a análise de sugestões de empresários e motoristas. Destacou que o procurador, na época, se baseou no excesso de trabalho dos carreteiros que transportavam grãos na região de Rondonópolis/MT.

Vindo da lavoura há pouco tempo, Leandro Lucas acredita que para ajudar o motorista o Estatuto deve ser igual para empregados e autônomos
Vindo da lavoura há pouco tempo, Leandro Lucas acredita que para ajudar o motorista o Estatuto deve ser igual para empregados e autônomos

Na estrada, o carreteiro Arquimedes Frasseto de Quadros, 24 anos e cinco de profissão, natural de Canela/RS, que trabalha como empregado costuma viajar entre o Rio Grande do Sul e o Nordeste. Ele acredita que um Estatuto para o Motorista, estabelecendo regras principalmente para o tempo de direção seria muito bom, desde que as empresas concordassem. “É uma maneira de tornar as estradas mais seguras, afirma”. No seu caso, ele tem uma rotina bem definida de trabalho, com paradas a cada duas horas e horário certo para café, almoço incluindo uma siesta, jantar e hora de dormir. Prefere viajar sempre descansado do que se arriscar a um acidente por causa do cansaço. Garante que vai acompanhar as discussões sobre o “tal Estatuto”.

Proposta dos empresários: Confira a proposta do Setcergs (Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do RS) e da ABTI (Associação Brasileira de Transportadores Internacionais) para a regulamentação do tempo de direção dos motoristas de caminhão: O
Unidade de Medida de Tempo Horas
Tempo Máximo de Direção Ininterrupta: 4h
Tempo Adicional Máximo para Direção Ininterrupta 1h30min
Tempo Mínimo de Pausa 30 min
Fracionamento do Tempo Mínimo de Pausa Livre
Tempo Máximo de Direção em um Período de 24 horas 12h
Tempo Adicional Máximo de Direção em Período de 24 horas 1h30min
Tempo Mínimo de Descanso Ininterrupto entre duas jornadas de 24hs 9h
Fracionamento do Tempo Mínimo de Descanso Ininterrupto entre 2 períodos de 24hs 7h 2h

Orli Fronza, natural de Pouso Redondo/SC, com 54 anos de idade e 30 de estrada, acredita que 80% dos motoristas não irão concordar com a limitação de horários para o trabalho. “Cada um sabe de si e das suas necessidades, além das exigências da empresa”, diz. Mesmo assim, costuma viajar para o Nordeste e aproveitar os meses de safras no Mato Grosso para faturar um pouco mais. Garante que procura manter horários definidos para dormir, paradas estratégicas para espichar as pernas e para as refeições. Estima que essas paradas ocorram a cada duas horas de direção e duram pouco tempo. Na hora do almoço descansa um pouco mais. Nunca tomou rebite e procura dirigir sempre com segurança e descansado. Confia que o Estatuto possa beneficiar os motoristas, mas duvida que “pegue” por falta de fiscalização e empenho das autoridades e até mesmo dos empresários.

Dirceu Luchtenberg é natural de Trombudo Central/SC, tem 28 anos de idade e está no trecho há apenas cinco meses, ao volante de uma carreta. Antes trabalhava na lavoura e admite que nunca ouviu falar do Estatuto do Motorista e nem da limitação de carga horária. Garante, no entanto, que não gosta de viajar à noite e para sempre que se sente cansado. Lembra que é preciso trabalhar um pouco com a cabeça para não fazer bobagens, o que inclui paradas estratégicas para as refeições, lanches e para uma espichada nas pernas. Ele tem dúvidas sobre uma legislação específica para o setor, devido às dificuldades na fiscalização. Dirceu trabalha com carteira assinada e recebe comissão sobre o valor dos fretes transportados.

Leandro Lucas Carvalho, 28 anos e dois de profissão, percorre estradas do Brasil e Argentina com uma carreta, sempre cumprindo escala própria com horários para descanso e refeições. A empresa não determina os horários, apenas não permite varar a noite ao volante. Cabe a ele estabelecer os seus limites, que são observados com muito rigor, segundo afirma. Natural de Foz do Iguaçu/PR, ele trabalha com carteira assinada, recebe comissão e diz que dirige tranquilo e sem estresse, observando todas as regras de segurança, limites do caminhão e do próprio corpo. Todavia, acredita que o Estatuto do Motorista, se aprovado, pode ajudar muito desde que seja igual para todos, empregados e autônomos. Lembra que a categoria é muito desunida, pois suspeita que enquanto uns precisariam cumprir horários, outros iriam tocar feito loucos, sempre na base do rebite.