Por Evilazio de Oliveira

Quando se fala na importância do transporte rodoviário de cargas no desenvolvimento da economia nacional, ou nas inevitáveis críticas à precariedade das estradas e nos altos custos para a manutenção do caminhão – contrastando com os valores dos fretes – poucas vezes são citados os carreteiros que trafegam nas regiões ermas da Amazônia, onde a constância das chuvas prejudica ainda mais a conservação das rodovias, tornando a viagem mais demorada. Aos 54 anos e 30 de estrada, Waldete Cavalcante da Silva, morador no município de Castanhal/PA – a 80 quilômetros da capital, Belém –, conhece muito bem essa situação. Afi nal, como toda sua família, ele começou a viajar de caminhão muito cedo pelas estradas barrentas e esburacadas dos Estados do Pará, Maranhão e Goiás.

Hoje ele viaja para São Paulo, dirige em condições não muito diferentes daquela do início, quando viajava com um primo para Goiás, num velho International, substituído depois por um Scania. “As estradas continuam ruins, a categoria sempre desunida e os rendimentos no final do mês sempre escassos”, diz.

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Waldete começou a enfrentar as estradas barrentas e esburacadas do Maranhão e Pará há muitos anos e hoje viaja para São Paulo

O carreteiro sofre muito nas estradas do Norte, explica. Waldete não sabe para onde vão os milhões que o governo federal diz aplicar na conservação das estradas. Ele cita como exemplo a BR-316, que até há pouco tempo se percorria cerca de 350 quilômetros em 6h. “Hoje não dá mais. É uma buraqueira só, precisando engatar a primeira marcha para ultrapassar as verdadeiras crateras que existem pelo caminho”, diz. Tudo isso prejudica muito o estradeiro que percorre as rodovias daquela região, agravadas pela chuva que cai todos os dias, até com hora marcada.

Os tempos são outros. E apesar de lamentar o custo dos pedágios cobrados nas estradas do Sul, também reconhece a qualidade e conservação das rodovias, que ao fi nal compensa as despesas com o menor desgaste do bruto e a maior rapidez na entrega das cargas. E, se as estradas no Sul são melhores do que as da Amazônia, a concorrência no setor de transportes é mais intensa. Os carreteiros avançam em todas as direções à procura de melhores fretes e preços mais compensadores. Muitas vezes essa concorrência chega a ser desleal, pois os sulistas quase sempre estão equipados com caminhões mais robustos e maior capacidade de carga.

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Caminhão International do avô de Waldete foi a ferramenta dele por muitos anos

Waldete admite que a concorrência existe, como em todos os tipos de serviço, na base do “que pode mais sofre menos”, e que os grandes sempre vão passando por cima. Acredita que os autônomos e pequenos empresários continuam trabalhando por teimosia, e pela fé em Deus na esperança que um dia a situação muda. Por isso acredita que é preciso trabalhar direito, conquistar credibilidade e manter o bom nome, principalmente nessa atividade onde muitos profissionais acabam se “queimando” por pouca coisa.

Também existe discriminação no setor em relação aos carreteiros do Norte, diz ele. Talvez até mesmo pelo pouco desenvolvimento da região e pela pobreza que se vê nas margens das estradas. Mas garante que isso não chega a preocupar, porque trabalhando direito as coisas vão bem e se acertam. Lamenta a falta de união da categoria, que não tem representatividade e parece desconhecer a força que tem. “Talvez por isso, as imensas dificuldades dos profissionais, em termos de fretes, de estradas e de infra-estrutura”, afi rma.

Seguindo a atividade dos “heróis das estradas da Amazônia”, herdada do avô Manoel Bento, continuando com o pai Waldete Cavalcante da Silva, irmãos, tios e primos, o carreteiro Tarcísio Martins da Silva, 31 anos, está no trecho desde os 18 mantendo a tradição familiar. Conseguiu fi nanciamento e comprou um Mercedes-Benz ano 93 e trabalha como agregado no transporte de eletrodomésticos que chegam de Manaus a Belém em balsas. Ele leva a mercadoria para vários Estados, mas na maioria das vezes vai para São Paulo. Ele também reclama das más condições das estradas e do asfalto que se desmancha fácil em razão das chuvas. Segundo ele, os carreteiros que trafegam nessa região são verdadeiros heróis, sobrevivendo com muito esforço e sem nenhum apoio, com os custos dos combustíveis e dos pneus cada vez mais caros.

Tarcísio Martins conta que chega a ficar 15 dias longe de casa e sente muitas saudades da família, mas acha até engraçado. Logo que chega em casa sente falta da estrada e vontade de carregar logo para retornar para o trecho. “É um vício”, admite.

Uma das preocupações dele é a falta de organização e fi scalização do setor, onde qualquer um compra um caminhão e vai para a estrada, prejudicando os profissionais, os que efetivamente precisam e sabem trabalhar. Espera que o RNTCR (Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas) dê resultado. Caso contrário não haverá mais serviço para os autônomos, porque a concorrência é muito grande. Acredita que falta união e uma liderança entre os carreteiros, ao menos para reivindicar melhores condições de trabalho, a começar pelas estradas, diz.