Por Evilazio de Oliveira

A burocracia gigantesca que emperra o desenvolvimento do País em praticamente todas as áreas, atribuída candidamente a um suposto “Custo Brasil”, responsável – entre outras coisas – pelas dificuldades nas operações de comércio exterior, também causa problemas operacionais no Porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, onde cerca de 39 autoridades intervenientes dificultam e infernizam a vida de quem precisa transportar mercadorias através daquele porto.

Essa situação, segundo a opinião do coordenador da Comissão de Infraestrutura do Setcergs (Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul), Frank Woodhead, 64 anos de idade e há 18 no setor, é muito ruim. Conforme ele, é difícil achar alguma pessoa que diga que algo vai bem no Estado, e no País, com estradas esburacadas, economia cambaleante e portos e aeroportos congestionados.

Woodhead reconhece que alguns investimentos foram feitos na dragagem do porto, mas explica que mesmo assim não pode ser totalmente usufruído porque os terminais também precisam ser adequados. Além disso, também falta sinalização. Não há um projeto integrado. O serviço é feito pela metade, demonstrando absoluta incompetência dos governantes.

7152t
Num trecho de 320 quilômetros, o carreteiro precisa pagar cinco pedágios na ida ao porto e mais quatro no retorno, diz Frank Woodhead, do Setcergs

Com isso, os navios de grande porte podem carregar somente 80% de sua capacidade, resultando em perdas. De acordo com Woodhead, produtores de grãos das regiões Norte e Nordeste do Estado preferem enviar os caminhões para o porto de Itajaí/SC, economizando dinheiro no custo do transporte em razão da qualidade das estradas e do custo dos pedágios. Lembra que no trecho de Porto Alegre a Rio Grande, num trajeto de 320 quilômetros, o carreteiro precisa pagar cinco pedágios na viagem de ida e outros quatro no retorno, fato que obviamente encarece a viagem. Segundo ele, esse trecho da BR-116 está sendo duplicado a “trancos e barrancos”, inclusive com dificuldades de liberações ambientais. “O trecho entre Pelotas e Rio Grande já está duplicado, ressalta. Porém, acrescenta que mesmo com a mudança na administração dos pedágios – que agora passa para o Governo do Estado – com a anunciada redução de 30% no valor das tarifas, o assunto ainda preocupa, principalmente no aspecto referente à conservação das rodovias.

7112t
Mais acostumado a rodar na região Nordeste, Sidney Fernando Martini transporta pouco para os portos, mas lembra das filas e da burocracia existentes

lta de uma infraestrutura adequada é tão grave, acentua, que 92% das cargas aéreas que saem do Rio Grande do Sul são despachadas por Campinas, pois o aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre/RS, muito bonito, não tem pista que comporte aviões cargueiros de grande porte. Ele considera inadmissível que caminhões fiquem retidos três ou quatro dias na aduana de Uruguaiana/RS com cargas para Argentina ou Chile, à espera de liberação dos documentos, quando tudo poderia ser feito em apenas 15 segundos, tendo a nota fiscal como documento. Todavia, a burocracia “tranca” tudo e, por isso, a necessidade das pessoas continuarem trabalhando, sugerindo, criticando, apontando soluções na esperança que um dia isso mude e o Brasil encontre o seu caminho, reafirma, esperançoso.

7114t
Ismael Geraldi destaca que o motorista tem de agendar horário para descarregar no porto, mas a espera para descarregar pode chegar a quatro horas

Na estrada, o carreteiro Sidney Fernando Martini, conhecido no trecho como Tripa, tem 42 anos de idade, 22 de profissão, natural de Curitiba/PR, transporta de tudo, viajando principalmente para a região Nordeste. Dos portos em que descarregou ou carregou, considera como pior o de Paranaguá/PR. Todavia, embora faça questão de ressaltar que transporta pouco para os portos, lembra que não tem boas lembranças do porto de Rio Grande, sobretudo pela burocracia e filas, mesmo não se comparando a Paranaguá, ressalta.

7151t
Ex-motorista de ônibus, Bruno Hoffmann reclama da fila de espera e também da falta de banheiros, além de o restaurante do local servir comida ruim e cara

Para Ismael Geraldi, o Falta de Ar, 32 anos e 13 de profissão, natural de Ibiaçá/RS, entre os portos que conhece, a situação de Paranaguá e Rio Grande são péssimas para os carreteiros. Atualmente trabalha com um bitrem transportando grãos do Mato Grosso para o Porto de Rio Grande e retorna para o Nordeste com arroz. Conta que transportava os grãos para o porto de Paranaguá, porém, como os importadores chineses não aceitaram mais que as cargas fossem despachadas daquele local – em razão de uma suposta infestação de ratos e dos atrasos constantes dos navios – ele passou a descarregar no porto de Rio Grande.

7124t
Apesar de no porto não haver lugar adequado para acompanhantes, Edgar dos Santos levou os sobrinhos na viagem em que não teria de descarregar no local

Essa exigência dos chineses teria causado um crescimento do fluxo de cargas para Rio Grande, aumentando também os problemas de infraestrutura que já existiam, afirma. O carreteiro afirma que entre a capital Porto Alegre/RS e o porto existem vários postos de pedágios, os quais somados às longas esperas nas filas para o descarregamento acabam encarecendo muito a viagem.

7153t
Apesar de considerar uma chatice ter de descarregar no Porto de Rio Grande, Gelson Calioni diz que não recusa frete porque sempre precisa trabalhar

Ele destaca que tudo é agendado e o caminhão precisa estar no pátio na hora marcada, ou perde a vez. Porém, os agendamentos nunca são cumpridos e o motorista precisa aguardar por períodos de até quatro horas para que o caminhão finalmente seja descarregado. Diz que muitas vezes chega a perder de três a quatro dias, o que no final do mês significa prejuízo certo, já que trabalha com salário fixo e comissão por viagem. “Menos viagem, menos dinheiro no final do mês”, acentua. Em relação à segurança, lembra que no Porto de Rio Grande é melhor do que em Paranaguá, porém faltam instalações sanitárias. “O restaurante é péssimo e caro, restando ao carreteiro a alternativa de fazer a sua própria comida”, finaliza.

7155t
Francisco Claudenir diz que nas poucas viagens que já fez para o Porto de Rio Grande as operações não foram demoradas porque não era período de safra

Ainda com pouca experiência como motorista de caminhão, Bruno Hoffmann, o Cabeça Seca, 47 anos de idade e há apenas um no trecho, afirma que apesar de tudo, ainda prefere transportar para o porto de Rio Grande do que Paranaguá, onde além de a espera ser grande tudo é muito sujo e o lugar está cheio de ladrões. Depois de trabalhar muito tempo dirigindo ônibus, e agora com um bitrem graneleiro, também reclama da necessidade de cumprir o horário de chegada em razão do agendamento, mas que depois é preciso se sujeitar a longas esperas no pátio. Também reclama da “falta de banheiros e do restaurante que serve comida ruim e cara”.

Para o estradeiro Edgar dos Santos, natural de Saldanha Marinho/RS, “é uma tristeza levar carga para o porto de Rio Grande, pois apesar do agendamento nunca sabe quando poderá descarregar o caminhão”. A única vantagem, afirma, é referente à segurança, pois lá não tem ladrão. Mesmo assim não dá para se descuidar”, garante. Santos transporta soja para o porto e lembra que além das filas e falta de banheiros, não existe também um local adequado onde os familiares possam esperar o motorista, nem no portão de entrada. Acrescenta que não é permitida a entrada de acompanhantes no pátio e não há um local adequado para a espera.

Quando conversou a reportagem da Revista O Carreteiro, Santos estava acompanhado dos sobrinhos Luiz Eduardo, 11 anos, e José Antônio, de cinco anos, para aproveitarem um pouco das férias escolares na estrada, já que naquela viagem ele não iria descarregar. Na ocasião disse também que era muito difícil viajar com a mulher e filhos pequenos, porque não há como ficarem sozinhos, à espera, sem as mínimas condições de conforto e sem saberem a hora em que o motorista será liberado.

Para o carreteiro Gelson Calioni, 39 anos de idade e 20 de direção, natural de Frederico Westephalen/RS, é complicado transportar para Rio Grande por causa da burocracia e da perda de tempo nas filas. Ele, que viaja para onde tiver carga, afirma que não deixa de carregar para o porto porque sempre precisa trabalhar e os fretes estão cada vez mais baixos, mas, na realidade, “é uma chatice”. Conhecido como Desmaiadinho, o cearense de Senador Pompeu, Francisco Claudenir Pinheiro Venâncio, 46 anos de idade e 15 de profissão, costuma viajar entre Uberlândia/MG e os Estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul e – eventualmente – a região Nordeste. Segundo ele, a maioria das entregas que faz é para mercados e lembra que nas poucas viagens em que descarregou no porto de Rio Grande, as operações não foram demoradas porque não aconteceram em período de safras. Mesmo assim foi preciso agendamento e houve espera, mas nada de anormal, salienta. Sabe – por ouvir dizer – que o pessoal que transporta grãos ou contêineres sofre bastante nos portos, principalmente pela burocracia e falta de estrutura. Lembra que o agendamento serve apenas para que o caminhão chegue no horário certo, pois, se atrasar 10 minutos é preciso reagendar e pagar multa. Depois, é só entrar na fila e esperar, esperar e esperar. E por isso ele evita o período de safra.