Por Evilazio Oliveira

A necessidade de seguir um plano de viagem, com horários a serem cumpridos, prazos para a entrega da mercadoria, inevitáveis tranqueiras nas rodovias ocasionadas por trânsito intenso, acidentes ou até mesmo dos denominados protestos sociais – além das longas esperas nas aduanas – faz com que o dia a dia do carreteiro acabe gerando um grande estresse. E, apesar de a grande maioria garantir que está acostumada, “não esquenta” e costuma manter a calma nessas circunstâncias, o certo é que o retorno ao lar, junto com os familiares, alivia toda a pressão sofrida nas viagens. E isso sem contar que os contatos com os familiares são feitos diariamente, por telefone ou e-mails.

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Retoques em uma casa nova para onde pretende mudar em breve faz parte da terapia de Ricardo Batista de Souza quando está em casa

O carreteiro Ricardo Batista de Souza tem 42 anos de idade e 20 de profissão. Natural de Uruguaiana/RS, onde vive com a família, ele trabalha ao volante de uma composição na qual transporta chassi de ônibus e de caminhões para Lima, capital do Peru, numa distância aproximada de 3.900 quilômetros em viagens que chegam a durar 12 dias em razão da legislação, restrições de horários de tráfego em alguns países e das inevitáveis esperas nas aduanas.

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Quando retorna para o lar, além do sossego de sua casa o chileno Walter Martinez diz que se delicia com as refeições preparadas pela esposa

Segundo ele, tudo é enfrentado com calma, sem estresse e viaja – quase sempre – com mais dois ou três caminhões da mesma empresa e mantém um programa pré-estabelecido de horários e locais certos de paradas. Além dos cuidados normais na estrada – e da comunicação constante com os colegas pelo rádio – é preciso um cuidado especial em algumas cidades por onde passam, na tentativa de evitar a ação dos ladrões que aproveitam a baixa velocidade do veículo em razão do fluxo do trânsito, roubam de tudo, extintores de incêndio, caixa de alimentos, lanternas.

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Apegado à esposa e aos oito filhos, Gerson Rosa Nasaré diz que seu maior prazer é estar em companhia da família entre uma viagem e outra

Uma saída para esta situação é recorrer à segurança oferecida pelos “chapas” equipados com coletes refletivos e pedaços de paus ou ferros e que, pendurados na carroçaria, “protegem” o caminhão contra os “invasores”. É uma cena surreal, afirma o carreteiro contando detalhes e peripécias dessas viagens, percorrendo Argentina, Chile e o Peru, passando pelas Cordilheiras e pelo deserto de Atacama, conduzindo o caminhão sempre com muito cuidado, pois o motor funciona em condições extremas e com mudanças bruscas de temperatura.

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Carreteiros acostumados a percorrer trechos de longas distâncias permanecem vários dias fora de casa e a volta é sempre um momento especial

Quando está em casa, Ricardo Batista respira tranquilidade. Leva o caminhão para a revisão e se dedica aos trabalhos domésticos acumulados durante sua ausência. Ainda mais agora, que está terminando os retoques de uma casa nova, para onde pretende se mudar o mais breve possível. Não tem descanso, mas é uma terapia muito boa, afirma. Também aproveita para visitar amigos e parentes e “assar uma carne” se a folga coincidir com um final de semana.

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Já aposentado, mas ainda na estrada, Domingos Balbinotti pensa sempre em retornar para casa para ver televisão e ficar ao lado dos netos

Para o chileno Walter Martinez, 51 anos e 30 de estrada, e pelo menos há 10 anos viajando, a administração do tempo de estrada e do período em que fica em casa com a mulher, já que os filhos estão criados e independentes – é tranquila. “O primeiro lazer é fazer compras no supermercado”, brinca. Natural de Santiago, no Chile, ele dirige uma carreta equipada com câmara frigorífica, ele traz frutas para o Brasil e retorna com carga geral.

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Há um bom tempo sem tirar férias, Jefferson Souza Franco quer comprar um carro e realizar o sonho de levar os filhos para conhecerem o mar

Martinez afirma que costuma dirigir sem pressa, obedecendo aos limites de velocidade, e, sobretudo, com bom senso e a certeza de que a carga vai chegar ao destino em segurança. “Quando está em casa aproveita para descansar, se deliciar com as refeições preparadas pela mulher e, claro, passear, tomar um sorvete, uma cerveja e ir aos bancos, cuidar da revisão mecânica do caminhão, fazer alguma visita a amigos ou familiares. “Nada como estar em casa”, decreta. Outro profissional da estrada que garante viajar com muita tranquilidade é Gerson Rosa Nasaré, o Gersão, com 39 anos de idade e 20 de profissão, natural de Mairinque/SP. Ele chega a ficar até 20 dias fora de casa, levando cargas para São Paulo, Acre, Goiás, Rondônia e Rio Grande do Sul. Porém, permanece em contato direto com os familiares por telefone, mensagens de texto ou e-mail. O laptop, na boleia, é conectado via wi-fi em cada posto onde pare para abastecer, descansar ou fazer as refeições. Casado e pai de oito filhos, Gerson é muito apegado à família, parentes e amigos. E, para ele, nada melhor do que a companhia dessas pessoas no período em que está em casa, entre uma viagem e outra. “É a oportunidade de conviver com pessoas queridas e esquecer todos os problemas da estrada”, afirma.

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Jonas Padilha Tobias fica no máximo 20 dias na estrada e quando retorna para casa procura ficar o maior tempo possível com a namorada

Domingos Balbinotti, natural de Xanxerê/SC, tem 56 anos de idade e 20 de profissão. É dono de uma carreta e viaja de acordo com a mercadoria a ser transportada, preço do frete e dos prazos para entrega. Costuma permanecer longe de casa por cerca de oito dias, às vezes mais, às vezes menos, tudo depende…”, ressalta. Considera estressante a necessidade do motorista cumprir horários de acordo com a lei, enquanto transportadoras não se importam se seus caminhões rodam direto.

Outra reclamação de Balbinotti é a exigência do motorista ter de ficar sempre perto do caminhão, sem sair da cabine, cuidando da carga, mesmo nos momentos de descanso. Isso além dos cuidados na estrada e das preocupações com os custos do óleo, dos pedágios e da manutenção do bruto, coisas que sempre vão perturbando a cabeça. Mesmo assim, Balbinotti garante que não se incomoda muito e procura trabalhar com calma. Já está aposentado e por isso pensa mais em voltar para casa, ficar com a família e brincar com os cinco netos. Garante que é um grande adepto da terapia do sofá, “para assistir a televisão e dormir”. Confessa que não sente vontade de voltar para a estrada, porém, “é uma necessidade…”

O carreteiro Jefferson Souza Franco, natural de São Borja/RS reside atualmente em Santo Ângelo/RS e dirige seu próprio caminhão equipado com baú. Aos 47 anos de idade, 20 de profissão, é casado e tem dois filhos, ele viaja na rota São Paulo – Buenos Aires como agregado de uma transportadora. Lembra que no começo trabalhava de acordo com a Lei do Descanso, porém agora está preferindo dirigir mais, aproveitando ao máximo as condições da estrada e parando sempre que considerar necessário, sem forçar o organismo ou trabalhar cansado. “Porém, utilizando sempre o bom senso”, afirma.

Defende que trabalhando assim, sem pressa e respeitando os seus limites, tudo segue sem grandes estresses e consegue entregar a mercadoria no prazo e ainda sobra tempo para descansar. Quando está em casa aproveita ao máximo a companhia da mulher e dos filhos, passeando, indo aos parques, visitando amigos. Lembra, com pesar, que há tempos não tira férias, pois sempre precisou trabalhar muito. Depois comprou o caminhão e ficou com a dívida. Agora está construindo uma casa e, portando, tem novos compromissos. Depois pretende comprar um carro para, finalmente, tirar férias e levar os filhos para conhecerem o mar, um sonho antigo. Até lá, ele precisa ir tocando, mas afirma estar feliz porque vai garantir o bem estar da família para mais tarde pensar em diversão. “Tudo com muita calma
e fé em Deus”, conclui.

A receita do carreteiro Jonas Padilha Tobias, 27 anos de idade e oito de volante – para evitar o estresse na estrada é dirigir com calma, obedecendo a legislação, praticando a direção defensiva e ouvindo boa música. Natural de São Luiz Gonzaga/RS, solteiro, e dono de seu próprio cargueiro, costuma viajar entre São Paulo, Goiás, Espírito Santo, Argentina e Chile, ficando no máximo 20 dias longe de casa. Garante que é tranquilo e não esquenta muito a cabeça com os eventuais imprevistos nas viagens, como atrasos para carga ou descarga e as inevitáveis esperas nas aduanas. “Tudo faz parte”, afirma resignado.

Quando chega a casa, daí sim Jonas aproveita para descansar, dormir, conversar com os amigos e ficar o maior tempo possível com a namorada. Não pode faltar um churrasco com amigos e parentes e, quando dá, um joguinho de bola. Depois de uns três ou quatro dias em casa, volta para a estrada, completamente descansado e com a cabeça limpa, pronto para seguir na profissão que escolheu e que “ama de paixão”, conforme afirma enfático.