Por Larissa Andrade

O uso das novas tecnologias já é uma realidade para grande parte dos carreteiros brasileiros, que utilizam o celular ou computador não só para estar em contato com familiares, mas também para ler notícias, manter-se atualizados do trânsito através de aplicativos e até mesmo conseguir fretes. Porém, pouco se fala do avanço que as tecnologias permitem no que se refere ao treinamento e qualificação dos motoristas profissionais, uma área que já é bastante conhecida em alguns países, como Áustria e Canadá.

Trata-se de uma área que vem ganhando força mundo afora, inclusive no Brasil, onde o Sest Senat está investindo na capacitação de motoristas de caminhão via internet, conforme conta a diretora executiva da entidade, Nicole Goulart. “O principal objetivo da instituição é criar um roteiro de ensino e aprendizagem que contribua efetivamente para capacitação de profissionais para o setor de transporte, ofertando-lhes cursos atualizados, de fácil acesso e com temas transversais que possam ser aplicados à sua vida profissional e social”, explica.

Os materiais didáticos apresentam os conteúdos de forma simples, de fácil compreensão, e as atividades complementam aprendizagem, diz Nicole Goulart, do Sest Senat
Os materiais didáticos apresentam os conteúdos de forma simples, de fácil compreensão, e as atividades complementam aprendizagem, diz Nicole Goulart, do Sest Senat

Entre as principais vantagens dos cursos online está a flexibilidade, pois na maioria dos casos basta ter um computador conectado à internet para poder ter acesso ao curso, que pode ser feito em qualquer horário ou local. No Brasil, o número de matrículas em cursos a distância se multiplicou entre 2004 e 2013, segundo a Associação Brasileira de Ensino a Distância. Mas, curiosamente, no setor de transporte rodoviário de carga, a oferta de cursos online ainda é pequena e há certa resistência por parte de empresas e autônomos a esse tipo de formação. Esse posicionamento não é exclusividade do Brasil. De forma geral, os países da União Europeia só permitem esse tipo de curso relacionado à obtenção do Certificado Profissional (CPC) se ele for realizado em sala de aula, com um tutor, ou treinamentos que façam partes de projetos em desenvolvimento, como uma espécie de protótipo.

Oferta de cursos online ainda é pequena no País, cresce devagar, mas a tendência é de alta, conforme mostra o desenvolvimento da parceria Sest Senat com ANTT
Oferta de cursos online ainda é pequena no País, cresce devagar, mas a tendência é de alta, conforme mostra o desenvolvimento da parceria Sest Senat com ANTT

Entre as empresas e associações que apostam pelo e-learning ao redor do mundo, as principais vantagens apontadas são: custo reduzido, flexibilidade de horário e padrão de qualidade e não precisa parar o motorista, já que ele pode ver os vídeos de 15 minutos em um intervalo, por exemplo. Para Nicole Goulart, do Sest Senat, as vantagens se estendem também aos carreteiros que trabalham por conta própria. “Os cursos possibilitam aos alunos o estudo autônomo, construído a partir de sua disponibilidade de tempo e de sua jornada de trabalho. Os materiais didáticos apresentam os conteúdos de forma simples e clara, com linguagem de fácil compreensão, e as atividades complementam a proposta de aprendizagem. Dessa forma, os caminhoneiros e demais públicos podem estudar sem comprometer o seu trabalho e têm a chance de seguir crescendo na carreira e no setor”.

Em países de grande extensão e onde o clima representa um forte desafio, como é o caso do Canadá, os cursos online são bem-vistos e adotados por carreteiros e empresas. A AMA (Alberta Motor Association) decidiu há alguns anos levar para o mundo “virtual” os cursos que já ministrava presencialmente há mais de 70 anos, adaptando o conteúdo ao ambiente online. Atualmente, caminhoneiros podem fazer cursos de Gestão de Fatiga, Direção Defensiva e Agressiva, Direção no inverno, entre outras.

A empresa Motorista Consciente desenvolveu um produto que pudesse ser usado por grandes transportadores com diversas filiais pelo País
A empresa Motorista Consciente desenvolveu um produto que pudesse ser usado por grandes transportadores com diversas filiais pelo País

Segundo o Gestor de Serviços e Operações de Segurança de Frota, Ron Wilson, o feedback de motoristas e empresas em relação aos cursos online é muito positivo. “Uma pessoa que é nova na profissão ou que já realizou outros treinamentos é bastante aberta para aperfeiçoar suas capacidades. Os programas são muito amigáveis e educacionais para o usuário”, explica.

Os cursos online da AMA oferecem imagens, gráficos, vídeos, animações e também atividades e testes de múltiplas questões. Além disso, os alunos podem entrar em contato por e-mail ou telefone em caso de dúvidas. Para desenvolver o curso, Wilson diz que foi necessário contar com especialistas em conteúdo e instrutores de direção, “pessoas com conhecimento em estratégias de direção, boas práticas, leis de condução etc”. Os cursos são realizados tanto por motoristas de empresas, para diversos tipos de veículos, atividades e operação e com idades que variam entre os 20 e 60 anos. Para as companhias, a vantagem é que o gestor pode direcionar o curso aos motoristas que deseja e acompanhar a evolução de cada um deles, além de saber quando o curso foi terminado – e tudo isso pode ser feito de qualquer computador com internet, não só dentro da própria empresa. Nos Estados Unidos, o projeto OLI (Operação Salva-Vidas), voltado à educação para a segurança rodoviária, também oferece cursos online a motoristas profissionais para evitar e reduzir o número de acidentes que acontecem em cruzamentos de trens, por exemplo. Atualmente, há um curso para motoristas de ônibus escolares e outro para carreteiros – ambos gratuitos. A Diretora de Comunicação da OLI, Libby Rector Snipe, conta que a vantagem dos cursos online está no fato de que “os programas de e-learning facilitam para os motoristas aprender como dirigir com segurança perto de linhas de trem porque eles podem usar o vídeo, desenvolvido como se fosse um videogame no momento em que desejaram”.

Treinamento online é um tema ainda polêmico também na Europa e foi objeto de discussão em evento que reuniu especialista no início deste ano na Alemanha
Treinamento online é um tema ainda polêmico também na Europa e foi objeto de discussão em evento que reuniu especialista no início deste ano na Alemanha

Em relação aos desafios do e-learning, ela explica que o principal deles está na parte técnica no momento do desenvolvimento e para isso foram contratados especialistas. “Temos parcerias com especialistas no assunto para garantir que temos uma plena compreensão das situações que os condutores profissionais encontram na estrada. Isso ajuda a garantir que os programas são tão eficazes quanto possível em educar os motoristas sobre o comportamento seguro perto de ferrovias, a fim de reduzir as colisões”.

No Brasil, a oferta de cursos online no setor de transporte ainda é pequena, cresce devagar, mas a tendência é de alta, como prova o desenvolvimento do curso do Sest Senat com a parceria da ANTT. Em países onde esses cursos já vêm sendo oferecidos há algum tempo, também houve certa resistência ao princípio. “Tanto os motoristas quanto as empresas mostraram um amplo interesse, mas como um mercado novo e promissor, cheio de competidores, surgiu rapidamente um amplo lobby de opositores que reclamaram de concorrência desleal por um sistema ‘ilegal’, porque ‘qualquer um poderia ficar em frente ao computador’”, relembra Werner Fichtinger, da austríaca Easy Drivers.

Segundo Fichtinger, essa postura contrária ao e-learning foi, a princípio, adotada também por autoridades locais e regionais. Para mudar isso a empresa decidiu monitorar os treinamentos através de webcam e iniciou uma campanha de publicidade para vencer essa resistência.

No caso da empresa brasileira Motorista Consciente, o desafio foi desenvolver um produto que pudesse ser usado por grandes transportadoras com diversas filiais. Depois de passar por um aprimorando, o curso agora oferece a possibilidade de ter um gestor para cada filial, que acompanha o progresso dos motoristas daquela filial; e um gestor-master, que tem uma visão global de todos os alunos. “Ele consegue ver se o aluno viu o vídeo, se fez as provas e no final pode imprimir um diploma de que assistiu ao curso”, conta Schmitz. Outro diferencial é que o gestor-master pode comprar créditos de cursos de curso e distribuí-los em suas filiais de acordo com a necessidade.

Atualmente, o Motorista Consciente oferece um curso formado por três módulos e cada um possui uma quantidade de vídeo-aulas com uma prova ao final. “O primeiro é mais comportamental, o segundo é focado no veículo e o terceiro mais ligado à condução econômica e segura”, explica Schmitz. O projeto está funcionando e a empresa já está desenvolvendo um segundo curso, focado em curso operacional. “A intenção é eninar o gestor ou empresário a calcular o custo de um caminhão rodando. Vamos oferecê-lo durante um tempo gratuitamente porque percebemos que temos que divulgar para o empresário e com isso mostraremos a importância do motorista”.

Muito mais do que crescer, o desafio dessa modalidade de treinamento está na qualidade do que é oferecido. Em um evento realizado em fevereiro deste ano na Alemanha, especialistas se reuniram para discutir o tema, que ainda provoca bastante polêmica. A especialista em qualificação de motoristas profissionais, Claudia Ball, realizou um amplo estudo sobre o tema em diferentes partes do mundo e, durante o evento na Alemanha, defendeu que o e-learning pode e deve ser usado devido às vantagens que apresenta, mas é preciso ir além. “Nós precisamos de um marco legal, pois sem ele não teremos educação de qualidade, precisamos de fontes de informação independentes sobre e-learning e o uso de simuladores, precisamos de treinamento especializado para os treinadores e temos que apoiar institutos educacionais e de treinamento”.

Além disso, ela alerta para a parte técnica dos cursos online. “É necessário oferecer adaptabilidade para as diferentes necessidades, interação entre o estudante, o treinador e a tecnologia e deve se aproximar ao mundo prático laboral”.

No Brasil, ainda estamos longe de uma normativa que estabeleça parâmetros para um ensino online de qualidade no setor de transporte, mas os primeiros passos já estão sendo tomados e esse é um desafio que só poderá ser vencido com a participação da iniciativa pública, privada e o envolvimento dos carreteiros.