Por Evilazio de Oliveira

A grande quantidade de animais soltos que perambulam pelas margens das rodovias tem sido responsável por sérios acidentes. Apesar do intenso trabalho dos policiais rodoviários, que sistematicamente recolhem esses animais para locais apropriados, os quais são liberados após o pagamento de multas. Esse trabalho, todavia, é difícil e muitas vezes ineficaz devido à falta de estrutura da própria PRF, falta de fiscalização de órgãos estaduais e municipais e, sobretudo, ao descaso dos proprietários.

Na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, nas divisas do Brasil com a Argentina e o Uruguai, a situação é séria, com o registro de muitos acidentes, alguns com mortes e quase todos com feridos graves. Em alguns casos, patrulheiros rodoviários já precisaram abater cavalos a tiros, na impossibilidade, retirá-los da rodovia e evitar acidentes, fatos que sempre tiveram repercussão extremamente negativa entre a população.

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Inspetor Bossardi, da PRF, já fez sugestões às autoridades municipais na tentativa de diminuir os riscos de acidentes com animais nas rodovias, mas nada foi feito

O chefe da 13º Delegacia de Polícia Rodoviária Federal, em Uruguaiana/RS, inspetor Sidnei Bossardi – responsável pela fiscalização das rodovias BR-290 e 472 na região – confirma a gravidade do problema. Segundo ele, no período de 2004 até a segunda quinzena de setembro de 2007, foram registrados 88 acidentes envolvendo animais, resultando em duas pessoas mortas e 36 feridas, a maioria com gravidade. No mesmo período foram apreendidos 186 animais. Em 2006 foram retirados 1.574 animais das pistas e em 2007, até a segunda quinzena de setembro, 1.313 animais. Com isso, o inspetor Bossardi fez algumas sugestões às autoridades municipais na tentativa de diminuir os riscos de acidentes desse tipo nas rodovias. Sugeriu, entre outros itens, que todos os carroceiros fossem cadastrados, que as carroças usassem faixas refletivas para trafegarem à noite, vistorias mensais para verificação desses veículos e do estado de saúde e aparência dos animais, além de um convênio entre Prefeitura e a Faculdade de Veterinária do *campus* local da PUC (Pontifícia Universidade Católica) para o tratamento dos animais doentes ou vítimas de maus-tratos. Por enquanto, existem apenas as sugestões. O problema, segundo o inspetor Bossardi, continua sem solução.

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Daniel Werle, que faz a rota São Paulo – Santiago do Chile lembra que na região da fronteira do Brasil com Argentina tem muito animal pastando na margem da rodovia

Para o ex-carroceiro Atanásio Araújo da Rosa, 61 anos, e um dos organizadores da Associação dos Carroceiros de Uruguaiana, toda essa situação é resultado da crise social e da extrema pobreza que aflige esse tipo de profissional. Lembra que de acordo com um levantamento recente, existem cerca de 800 carroceiros no município, sendo que cada um deles utiliza pelo menos dois cavalos. Como a maioria vive catando lixo, ou fazendo pequenos fretes, mal ganhando para sustentar a família, não há como alimentar corretamente os animais. Dessa forma, a única saída é soltar os cavalos para que eles busquem pasto à beira das estradas. Sobre os riscos de acidentes que esses cavalos soltos nas rodovias possam causar, paradoxalmente, Atanásio da Rosa responde que é a favor da vida. Mas, a vida de quem, resta saber.

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O gaúcho Gilberto Augusto diz que nunca sofreu acidente por causa de animais na pista, mas já teve de jogar a carreta no acostamento para não atropelar um cavalo

O carreteiro Daniel Werle, 47 anos de idade e 20 de profissão, de Santo Antônio das Missões/RS, dirige um VW 2003 na rota São Paulo e Santiago do Chile. Faz esse trajeto há três anos e confessa que já levou muitos sustos com animais na pista, precisando fazer manobras bruscas e até sair para o acostamento para evitar a colisão. Lembra que trafegar à noite sempre é mais perigoso, pois os animais ficam com a visão ofuscada pelos faróis e, assustados, correm a esmo. Segundo ele, o trecho da BR-116, próximo a Registro/SP, sempre foi considerado de risco em razão da quantidade de animais soltos perambulando na pista, com a ocorrência de muitos acidentes.

A região da fronteira do Brasil com a Argentina também merece muita atenção pela quantidade de animais, principalmente cavalos, pastando às margens das rodovias. A situação, segundo Daniel Werle, piora na ruta 17, que liga Paso de los Libres a Santa Fé, numa extensão de uns 400 quilômetros, onde a quantidade de animais na pista exige atenção redobrada do motorista. Segundo ele, os patrulheiros rodoviários fazem o que podem, porém os proprietários são os responsáveis e deveriam ser multados pelo risco que os animais proporcionam.

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O argentino Juan Marcelo Enrique que viaja na rota Buenos Aires – São Paulo diz que nunca viu animais na pista que chegassem causar freada ou manobra bruscas

Gilberto Augusto Ferreira, 28 anos e quatro de estrada, é natural de Uruguaiana/RS, e dirige um Scania 81 no transporte internacional. Ele concorda que a presença de animais nas pistas é um perigo permanente para os motoristas, principalmente nas proximidades das cidades de fronteira, onde a quantidade de carroceiros é muito grande e sem alternativas para a alimentação dos cavalos, costumam soltá-los às margens das rodovias, mesmo sabendo dos riscos de graves acidentes. Reconhece que isso acontece em todas as partes, inclusive na Argentina, onde é comum encontrar cavalos e vacas no meio da estrada. “É preciso muito cuidado, dirigir devagar e ficar atento para que o bicho não se assuste e acabe correndo de encontro ao caminhão”. Embora nunca tenha sofrido acidente desse tipo, Gilberto Ferreira conta que numa viagem recente precisou tirar a carreta para o acostamento, num trevo de acesso a cidade de Uruguaiana, para evitar a colisão com um cavalo.

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Orlando Cinturión, também argentino, faz a mesma rota de Juan e afirma que são comuns os acidentes, inclusive batidas por causa de manobras para desviar de animais na pista

O argentino Juan Marcelo Enrique, 32 anos, 12 de estrada e há quatro meses viajando para o Brasil – considera a rota tranqüila. Natural de Rosário/AR, e dirigindo um Volvo 2006 entre Buenos Aires e Caxias do Sul/RS, ele afirma que não viu animais na pista que chegassem a causar freada ou manobras bruscas. Apenas o cuidado de sempre ao dirigir, salienta.

Outro carreteiro argentino, Orlando Centurión, 32 anos, 10 de profissão, cinco meses no transporte internacional e igualmente dirigindo um Volvo 2006, na mesma rota de Juan Marcelo, concorda que na Argentina existem mais animais soltos perambulando pelas margens das rodovias. E que são comuns os acidentes com atropelamentos ou mesmo de batidas em conseqüência de manobras para desviar dos animais que estão nas rodovias. Considera que no Brasil esse assunto é “mais organizado”, mas reconhece que o grande número de carroças que utilizam o acostamento possa se tornar perigoso, sobretudo quando por algum motivo os carroceiros precisam ocupar parte da estrada obrigando os caminhões a desviar para o meio da pista. E o pior, diz ele, muitas dessas carroças trafegam à noite e sem qualquer tipo de sinalização. “Portanto, a responsabilidade é do condutor da carroça e do dono do animal, que deveria ser punido pela lei”, ressalta.

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Acostumado a trafegar em baixa velocidade por causa das cargas que transporta, Giovani Sobral acrescenta que a maior quantidade de animais nas pistas é na região Nordeste

Natural de São Bernardo do Campo/SP, Giovani Sobral de Lima, 29 anos e 10 de estrada – dirige um Volvo 2001 com prancha para cargas especiais. E, por isso, trafega a uma velocidade média de 40 km/h e com um limite máximo de 60 km/h e somente durante o dia. Com essa velocidade não há maiores preocupações com animais na pista ou qualquer outro inconveniente que necessite diminuir a marcha ou mesmo parar, apesar do peso da carga. Nesta viagem Giovani transporta um redutor de energia, com 40 toneladas, da fábrica em Canoas/RS para Buenos Aires/AR. Segundo ele, no Brasil, a maior quantidade de animais soltos nas rodovias acontece no Nordeste. Nas rodovias argentinas é um fato corriqueiro e todos os carreteiros já estão acostumados e dirigem com cuidado.

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O chileno Patrício Aravena conhece pouco as estradas brasileiras, mas diz que tem visto muitos cavalos e carroças na beira da estrada nas proximidades da fronteira do Brasil com Argentina

O chileno Patrício Aravena, 44 anos e 22 de boléia, mora em Los Andes, a cerca de 70 quilômetros de Santiago. Ele dirige um Peterbilt 90 pelas estradas do Chile, Argentina e, mais recentemente, do Brasil. Ele também reconhece o grande perigo que os animais soltos nas rodovias significam para os motoristas, sobretudo nas estradas da Argentina, onde são freqüentes os acidentes graves. Quanto ao Brasil, afirma que ainda conhece pouco, porém ressalta que nas proximidades das cidades da fronteira tem visto muitos cavalos e carroças nas margens das estradas, significando um perigo em potencial. Acredita que as autoridades deveriam ter uma legislação específica para esse tipo de descaso e punir os proprietários com multas severas.

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Adenir de Quadros e sua esposa Paula
Aline dizem que é grande a quantidade de cavalos e carroceiros na margem da pista nas proximidades de São Gabriel, Rosário do Sul e Uruguaiana

Adenir de Quadros Antunes, 30 anos e nove de volante, de Passo Fundo/RS, dirige um Mercedes 91 transportando arroz do Rio Grande do Sul para São Paulo. Ele viaja com a mulher, Paula Aline Alves de Morais Cambrussi, 18 anos, que sempre fica atenta para a possibilidade de animais surgirem na pista, inesperadamente, e ao menor sinal de perigo avisa o marido. O casal conta que o trajeto próximo aos municípios de São Gabriel, Rosário do Sul, Alegrete e Uruguaiana na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul sempre é muito complicado em razão da quantidade de animais que pastam à margem da rodovia, ou dos carroceiros que trafegam pelo acostamento. “Dirigir à noite, ou com cerração nem se fala, a gente corre o risco de atropelar um cavalo ou mesmo uma carroça”. Conforme conta, nunca sofreu acidente causado por animais na rodovia, mas sabe de um amigo que colidiu contra um cavalo e teve perda total da frente do caminhão. O dono do animal nunca foi localizado e o amigo amargou o prejuízo sozinho. “É um problema sério e que precisa ser mais bem fiscalizado, com apreensão desses bichos, e só liberar com o pagamento de multas pesadas”, sugere Adenir Antunes.