Por Evilazio de Oliveira

Quando chega dezembro, a principal preocupação de boa parte dos motoristas de caminhão é programar viagens que permitam passar as festas de fim de ano em casa, com a família. Caso contrário, a solução é fazer a festa de confraternização na estrada, com a ceia improvisada na “caixa cozinha”. Afinal, vida de carreteiro é na estrada, e a família sabe disso.

É o caso de Onésio Barbosa de Campos, 57 anos, 30 de estrada e 14 no transporte internacional, viajando entre Brasil e Chile. Natural de Santo Ângelo/RS, casado há 33 anos e pai de uma filha de 14 anos, ele garante que dá para contar nos dedos os finais de ano que conseguiu passar em casa. Algumas vezes ficou sem a companhia da família em algum posto de combustível, apenas com os colegas de estrada e foi preciso muita força para não cair em depressão, sobretudo porque os finais de ano deixam as pessoas mais sensíveis. Por isso, sempre que precisava ficar na estrada nesse período, dava um jeito de levar na viagem a esposa, Cecília, e a filha Dienefer. Barbosa lembra que, financeiramente, este ano não foi muito bom por causa da crise mundial e que acaba se refletindo nas tarifas de câmbio. Como a remuneração no transporte internacional é feita em dólar, as variações se refletem no rendimento do motorista. Mesmo assim, planeja comprar um caminhão usado em sociedade com um amigo e caprichar na escolha dos presentes que vai comprar para a mulher e a filha no Chile. Além da ceia, em casa ou na “caixa cozinha”, em algum posto de serviço em algum lugar do trecho.

Dá para contar nos dedos os finais de ano que passou com a família em 30 anos de profissão, diz Onésimo Barbosa de Campo
Dá para contar nos dedos os finais de ano que passou com a família em 30 anos de profissão, diz Onésimo Barbosa de Campo

Para o carreteiro Claudiomir Zelmer Fenner, 34 anos e 10 de profissão, é difícil saber se poderá passar as festas de final de ano em casa, em Roque Gonzalez/RS. Solteiro, ele mora com os pais, mas, segundo ele, aparece apenas de vez em quando, como visita, e para apanhar roupas limpas. Lembra que nos 10 anos em que trabalha como motorista, apenas duas vezes compartilhou das festas de final de ano com os pais. Apesar da saudade e de uma certa tristeza que sente nessas datas, sabe que a família entende que está trabalhando, na luta pela vida. Ele também não se queixa, afinal, foi a sua opção profissional. Lembra que este ano “trabalhou bem, não dá para se queixar, mas também não dá para perder o ritmo”.

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Em 10 anos que trabalha como motorista e solteiro, Claudiomir Zelmer lembra que apenas duas vezes passou o final de ano com seus pais

Alex Sandro Rosa Regazzon, 28 anos e 10 de profissão, é filho de carreteiro e conhece bem o dia a dia da profissão e das eventuais dificuldades da estrada. Porém, ele e um irmão dirigem caminhões do pai, facilitando com isso a programação das viagens, sobretudo nos finais de ano. Quando chega o dia 20 de dezembro, os caminhões são parados para manutenção e a família pode se reunir. Neste ano, Alex tem um motivo a mais para ficar em casa com a mulher Rosane, com quem está casado há cinco anos, o filho, Brendo, de oito meses de idade. Mesmo atuando no transporte internacional, na rota entre Uruguaiana/RS e Buenos Aires/AR, Sandro se programa para ter os finais de semana livres. Mas, as ligações telefônicas e mensagens de MSN são diárias, todos os finais de tarde, para saber notícias da mulher e do nenê. “Natal e Ano Novo, são sagrados”, garante. Depois das festas e “renovados”, voltam para a estrada ainda no começo do mês de janeiro, para “mais um ano” de trabalho.

Sandro Regazzon, que trabalha na rota internacional, aproveita as festas de final de ano para deixar o caminhão na manutenção e ficar ao lado da família
Sandro Regazzon, que trabalha na rota internacional, aproveita as festas de final de ano para deixar o caminhão na manutenção e ficar ao lado da família

O carreteiro Alaor Diogo de Souza, 57 anos e 39 de estrada, natural de Santo Ângelo/RS, é casado há 29 anos, pai de dois filhos e sabe muito bem o que é passar os finais de ano longe da família. Foram tantas as vezes que ficou sozinho à beira de uma estrada que até perdeu a conta. Hoje, com os filhos adultos e encaminhados na vida, lembra que ainda é cobrado de dar mais importância ao trabalho do que à família. Lamenta a ausência na festa de crisma da filha, quando precisou sair às pressas para entregar uma carga de cebolas em São Paulo. Tempos difíceis, em que a sua mulher Sônia Regina cuidava da casa e dos filhos, fazendo às vezes de pai e mãe, lembra.

Depois de muitos anos sozinho na estrada nos finais de ano, Alaor Diogo ainda é cobrado por dar mais importância ao trabalho do que à família
Depois de muitos anos sozinho na estrada nos finais de ano, Alaor Diogo ainda é cobrado por dar mais importância ao trabalho do que à família

Quando decidiu ser motorista de caminhão, Alaor sabia dessas coisas, porém gosta da profissão e não se arrepende desses inconvenientes. A filha é nutricionista e o filho está na Polícia Militar. E ele trabalha nas rotas entre São Paulo, Rio de Janeiro e cidades da Argentina e Chile e foi assim que conseguiu comprar e pagar o seu caminhão. Não sabe como será este final de ano, mas pretende se programar e ficar em casa com a família. Vai comprar presentes para todos, mas se não for possível espera que todos compreendam. “Afinal, está trabalhando”, diz.

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A família de Dorivaldo Pereira pede para que ele fique mais tempo em casa nas datas especiais e ele diz que quando coincide faz um churrasco com os filhos e netos

Dorivaldo Pereira, 62 anos e 30 de volante, é natural de Cachoeira do Sul/RS. É casado há 40 anos e tem dois filhos e quatro netos. Ele dirige uma carreta entre Brasil, Argentina e Chile e “para onde tiver carga”, conforme diz. Afirma que não dá muita bola às festas de Natal e Ano Novo, pois precisa mesmo é trabalhar, embora a família cobre para que fique mais tempo em casa, principalmente nessas datas especiais. “Quando coincide, fazemos um churrasquinho com os filhos e netos”, mas ressalta que “não dá pra parar porque a situação não está fácil”.

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Casado e com dois filhos adultos, o chileno Ricardo Alfredo Alvarez afirma que ficar longe da família é um mal necessário, um dos problemas da profissão

O carreteiro chileno Ricardo Alfredo Alvarez Parra, 56 anos e 30 de profissão, natural de Santiago, casado e com dois filhos já adultos, afirma que ficar longe da família nessas datas especiais é um mal necessário. “Um dos problemas da profissão”, diz. Lembra que além de não ter participado por muitas vezes das festas de fim de ano, também perdeu o casamento do filho, episódio que lhe rendeu muitas críticas e cobranças. Todavia, defende que o trabalho de motorista é o seu ganha-pão e que tem responsabilidades com a transportadora e os donos das cargas.

Filha de carreteiro e com o marido na mesma profissão, Leandra Ribeiro acompanhou o marido por muitos anos e garante que entende o trabalho do esposo
Filha de carreteiro e com o marido na mesma profissão, Leandra Ribeiro acompanhou o marido por muitos anos e garante que entende o trabalho do esposo

Lembra que precisou abandonar o curso de Jornalismo na Universidade Católica do Chile, em 1973, quando houve o golpe militar que derrubou o presidente Allende. Ele era líder do movimento estudantil, acabou preso, torturado e não teve mais condições de continuar estudando. Mas a vida seguiu seu curso e ele acabou se tornando carreteiro e atualmente é dono de dois caminhões Renault que atuam no transporte internacional desde 1995. Os veículos estão agregados, mesmo sendo ele o dono precisa se sujeitar à programação de viagens do Chile para São Paulo. Mas, se “Diós quiera”, pretende estar em casa neste final de ano com a mulher, os dois filhos e os dois netos.

Filha de carreteiro, Leandra Ribeiro da Silva, a Preta, se casou com carreteiro e conhece bem o assunto. Natural de Caxias do Sul/RS, 35 anos de idade, é casada há nove com André Cabreira da Silva, o Miliquinho, que também é filho de motorista de caminhão. Portanto, Preta se criou e vive a realidade dos estradeiros e entende muito bem os compromissos e ausências nas datas especiais. E também, sabia muito bem desses detalhes quando casou. Durante muitos anos acompanhou o marido nas viagens e só passou um final de ano em casa, porque estava grávida da pequena Maria Caetana, hoje com sete anos. “Foi triste, mas é preciso entender que é o serviço dele. Ele está trabalhando”. E quando estão juntos na estrada, ela sempre se preocupa em preparar uma ceia especial, mesmo na “caixa cozinha”. E mesmo agora, quando não pode acompanhá-lo em todas as viagens por causa da escola da filha, não perdem o contato. É telefone, MSN e e-mail todos os dias, afirma. Para este ano não tem nada programado, mas se for preciso vai para a estrada com o marido para festejar o final de ano onde for possível, “sem problemas”.

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Edinice Luiza é casada há 14 anos e diz que sabia que o marido carreteiro passaria maior parte do tempo viajando, por isso não reclama de sua situação

Outra esposa de carreteiro, Edinice Luiza Sawczuk, natural de Paulo Frontin/PR, tem 32 anos de idade e está casada há 14 com Marcelo Krejci, que atua no transporte internacional. O casal tem dois filhos: Milena, de nove anos, e Kauã, quatro. Ela conta que quando casou sabia que o marido passaria a maior parte do tempo viajando, por isso não se queixa. Em 14 anos de casamento, viajou com o marido durante quatro anos, e em apenas dois finais de ano ficou em casa. Também aconteceu de ficar três meses seguidos viajando. O primeiro aniversário de Kauã foi comemorado na estrada, com a festinha feita na “caixa” que ficou toda enfeitada com balões e bandeirolas. “Uma beleza”, diz. Para que a família fique unida é preciso viajar junto com o marido, diz ela, levando os filhos e festejando o final de ano onde for possível. E quase sempre na companhia de colegas de estrada que vão se encontrando nessas ocasiões e a confraternização fica mais bonita. Ela ainda não sabe como será desta vez, mais se o marido Marcelo não puder estar em casa, ela e os filhos estarão prontos para enfrentar a estrada, juntos.

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Por causa das longas viagens Sérgio Correa, que já teve três caminhões, se distanciou da família, perdeu contato com os filhos e hoje não dirige mais

Depois de 36 anos na profissão, o engenheiro-mecânico Sérgio Correa dos Santos, 64 anos, lembra que sempre foi escravo do caminhão, descuidando totalmente da família e com isso “destruindo o casamento e perdendo contato com os filhos, que não o perdoam pela ausência total durante a infância”. Natural de São Paulo, capital, era dono de três caminhões e trabalhava como engenheiro-mecânico numa grande empresa multinacional. Um dia precisou levar um caminhão carregado para Manaus, numa viagem longa e trabalhosa. Recebeu na viagem o que levaria três meses para ganhar na empresa em que trabalhava, valor que o motivou a começar a fazer viagens longas e demoradas, e que também se distanciasse da família e surgissem “as namoradas”. Essa ausência não impediu que a mulher educasse adequadamente os filhos, que hoje estão todos formados. Transferiu todos os seus bens para a família e há 15 anos vive com outra mulher em Uruguaiana/RS. Tem sérios problemas de visão e até mesmo os amigos estão rareando. “Um preço muito alto para se pagar”, afirma.