Por Daniela Giopato  Fotos Divulgação

Há muito tempo, a exploração sexual de crianças e adolescentes tem sido uma mancha negra no País, e quando se fala no assunto dificilmente o motorista de caminhão fica isento de culpa, considerando que a categoria tem a fama de ser alvo fácil de quem procura programa nas margens das rodovias. Trata-se de um problema social de difícil solução devido à dificuldade de fiscalização e de punição dos responsáveis e acontece principalmente em pontos de parada de carreteiros, profissionais que por conta da rotina estressante, da baixa autoestima e de dias longe de casa, estão mais suscetíveis a aceitarem as ofertas em troca de alguma recompensa.
Pesquisa desenvolvida pelo núcleo de pós-graduação em psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, conduzida em parceria com a organização não governamental Childhood Brasil (Instituto WCF), traçou um perfil dos carreteiros através de entrevista realizada com 239 profissionais de diversos Estados ( Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Norte, Sergipe e Pará) e mostrou que 37% dos entrevistados já fizeram programas com crianças e adolescentes – a um custo médio de R$ 18 reais – e 67% disseram conhecer amigos de profissão que fizeram. Além disso, não se veem como abusadores e enxergam o problema – que atribuem à miséria – como uma prática comum. E o pior, acreditam que estão fazendo um bem ao oferecer comida, carona ou dinheiro em troca de favores sexuais.
Outro dado que chama atenção é em relação aos motivos que levam os menores a se prostituir e os motoristas a praticarem o crime. Para 39% dos entrevistados, a necessidade financeira da criança e da família é o principal fator que leva os menores a se prostituírem. Mas, na opinião de 36,3% dos entrevistados, o principal motivo pela preferência por fazer sexo com crianças e adolescentes é a busca de maior excitação e prazer, apesar de afirmarem que muitas vezes desconhecem a idade.
Fatores como o medo de ser flagrado pela polícia e dos decorrentes problemas com a Justiça foi citado por boa parte dos motoristas como motivo de terem parado de praticar  esse tipo de relação. Além disso, 20,8% dos consultados pela pesquisa afirmaram não se envolverem com menores por se tratar de um ato errado; 18% disseram respeitar as crianças e adolescentes por serem como suas filhas e 12,6% destacaram a fidelidade às esposas.
“O motorista de caminhão é parceiro da Polícia Rodoviária Federal e portanto deve nos ajudar no combate a esse tipo de crime”, alerta o inspetor Alvarez Simões, coordenador geral das operações da PRF. Ressalta a importância desse profissional na questão, pois por se encontrar sempre na estrada está mais propenso a ser abordado por um menor. “Dizer não a essa oferta é o primeiro passo a ser dado para quem realmente deseja contribuir para acabar com a exploração de crianças e adolescentes. O segundo passo é ligar para o Disque 100, ou para o 191 da PRF e denunciar”.
As denúncias, conforme explica o inspetor, são de grande importância para uma fiscalização mais eficaz na estrada e para ajudar o órgão a  traçar os pontos vulneráveis a esse tipo de ação. Em 2004, a PRF realizou o primeiro estudo para definir esses pontos, que geralmente são postos de serviços nas estradas próximos a comunidades carentes, ou que tem número significativo de menores perambulando sem nenhuma atividade. “Os proprietários desses locais também têm sua responsabilidade e são avisados de que se facilitarem e contribuírem para esse tipo de crime podem responder a processo”, acrescenta  Alvarez.
É importante lembrar que um motorista que opta em ser conivente a esse tipo de crime pode enfrentar problemas sérios com a justiça e, consequentemente, destruir uma carreira, já que as transportadoras não costumam disponibilizar frete para profissionais que apresentam comportamento inadequado. Sem contar a possibilidade de contrair Doenças Sexualmente Transmissíveis ou serem assaltados, pois, de acordo o inspetor da PRF, muitas meninas que pedem carona contribuem com ladrões de carga.
O inspetor alerta também que o motorista abordado com um menor dentro da cabine e que não tenha grau de parentesco ou algum documento que o assegure que não esteja em situação irregular é levado para a polícia judiciária. Corre o risco de ser preso e sua companhia é encaminhada a um órgão de proteção da infância e do adolescente. “O motorista deve lembrar de seus filhos para enxergar o quanto absurdo é essa situação”, afirma.

 DISQUE DENÚNCIA
Trata-se de um serviço de discagem direta e gratuita disponível para todos os Estados brasileiros. Coordenado e executado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), em parceria com a Petróleo Brasileiro e o Centro de Referência Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria), o serviço funciona diariamente das 8h00 às 22h00, inclusive aos finais de semana e feriados. As denúncias podem ser feitas gratuitamente através do número 100 ou através do email [email protected] . De 2003 a 2008 houve um crescimento de 562% nas denúncias, e passou da média de 12 contatos, em 2003, para  82 em 2009. “O aumento significativo no número de denúncias não significa necessariamente que tenha aumentado a incidência de violência sexual no Brasil. Ao contrário, significa que as pessoas estão cada vez mais conscientes do seu papel”, lembra Ana Flora. Em 2009 foram recebidas e encaminhadas 29.756 denúncias e realizados 220.676 atendimentos. (DG)

A fiscalização é importante para inibir a prática, porém, educar e conscientizar a respeito de tudo o que envolve a exploração sexual de crianças e adolescentes ainda é uma importante arma de combate contra esse tipo de crime. Em 2006, a Childhood Brasil criou o programa Na Mão Certa e o pacto empresarial, em parceria com o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, para mobilizar toda a cadeia de empresas ligadas ao setor do transporte rodoviário. E baseado nesse argumento, empresas e entidades se uniram na luta e  trabalham para mobilizar e transformar motoristas de caminhão em agentes de proteção contra a exploração de menores.
Em três anos de programa, mais de 660 empresas e entidades empresariais abraçaram a causa e aderiram ao Pacto Empresarial Contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas Rodovias Brasileiras. Conforme explica a coordenadora de programas da Childhood Brasil, Ana Flora Werneck, esse número supera a meta inicial de 500 empresas previsto para o final de 2010. “Acreditamos que o principal fator seja a conscientização do setor privado, que está entendendo seu importante papel no enfrentamento da exploração sexual infanto-juvenil na sua cadeia de valor e na consequente proteção de crianças e adolescentes no País”, afirma.
Entre as principais conquistas do programa nesses quatro anos de atuação é o fato de ter conseguido inserir um tema aparentemente distante da realidade empresarial na pauta de responsabilidade social. Afinal, ao assinar o Pacto, a empresa ou entidade assume alguns compromissos públicos como o de melhorar as condições de trabalho dos motoristas de caminhão, participar de campanhas sobre o tema, estabelecer relações comerciais com fornecedores compromissados com os princípios do pacto, incentivar os funcionários a participarem de ações de enfrentamento, apoiar projetos que atendam vítimas da exploração sexual, monitorar os resultados de suas ações e divulgá-los, entre outros.
Apesar da mobilização do setor empresarial, do governo e da sociedade civil, o Programa tem como um dos principais focos educar o carreteiro e fazê-lo entender o quanto essa prática prejudica o desenvolvimento de um menor, além de ser um ato criminoso. “O trabalho é feito com grande ênfase para esses profissionais, por serem os que circulam diariamente nas estradas e pelo grande potencial de prevenção e proteção de crianças e adolescentes”, explica Anna Flora.
Para abordar e reforçar o tema junto aos motoristas, o programa desenvolveu uma série de materiais. O Projeto de Educação Continuada, por exemplo, é operacionalizado pelas empresas e inclui campanhas direcionadas aos carreteiros, spots de rádios, filme institucional e os guias Na Mão Certa – coleção educativa com oito volumes que levam a informações e orientações sobre o tema, entre outros de cidadania e de interesse da categoria.
Anna Flora destaca que os esforços e bombardeio de informações em torno da questão da exploração de menores surtiram efeitos positivos em relação aos motoristas de caminhão, que aos poucos estão se sensibilizando com a causa. “Através do programa, temos recebido fichas de avaliação com diversos depoimentos, nos quais relatam que estão denunciando e falando sobre o assunto com amigos e familiares”, afirma.
Algumas ações, conforme complementa Ana Flora, ainda são necessárias para que o envolvimento com os carreteiros seja cada vez maior. Poucos postos de combustíveis aderiram ao programa. Uma das metas para os próximos anos é envolvê-los cada vez mais e pensar em ações que possam ser desenvolvidas nesses locais, para não deslocar o problema, mas contribuir para sua solução.

 APOIO A PROJETOS

A pobreza sempre esteve diretamente ligada à exploração, já que muitos menores que se prostituem trocam o sexo por um prato de comida ou por algum dinheiro para “ajudar em casa”. O terceiro eixo do programa Na Mão Certa aborda o desenvolvimento de campanhas de prevenção e promoção e desenvolvimento das organizações que atendem crianças e adolescentes em situação de risco. Nesse sentido o programa busca apoiar projetos em comunidades de baixa renda através da divulgação do trabalho e contato com apoiadores. “Apesar de todos atribuírem o fenômeno exclusivamente à pobreza, nós olhamos para a questão com ressalvas, pois isso não é uma questão de causa e efeito. A exploração sexual é um fenômeno multicausal com diferentes facetas”, explica Ana Flora. O mesmo ocorre quando se associa este tipo de crime ao Nordeste, muitas vezes considerado uma região de maior incidência. Nas diversas pesquisas realizadas pelo programa constatou-se que o fenômeno acontece em todas as regiões e é necessário desenvolver estratégias criativas e flexíveis para enfrentar suas diversas manifestações.