Por: Evilazio de Oliveira

O acentuado crescimento no transporte rodoviário de cargas através da ponte internacional que liga o Brasil e Argentina causa preocupação a autoridades e empresários do setor. A capacidade de carga para a qual a ponte foi projetada – há 60 anos – está superada dezenas de vezes e a tendência de expansão do tráfego nos próximos anos causa temor de um grave acidente resultante do excesso de peso. Outro problema são as constantes filas de caminhões sobre a ponte, e muitos deles transportando produtos perigosos, enquanto aguardam a liberação de documentos para a travessia da fronteira.

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Secretário da ABTI, Elder Machado, diz na época da construção da ponte que não se imaginava o atual fluxo de carga de caminhões em razão do comércio internacional

Com isso, discute-se a necessidade de duplicação da atual travessia ou construção de uma nova ponte, assunto que volta a ser debatido por iniciativa do prefeito de Uruguaiana, Sanchotene Felice. No início de março, ele reuniu três embaixadores e várias autoridades locais para a apresentação de proposições relativas à integração Brasil, Argentina e Uruguai. Na ocasião, Sanchotene Felice e o intendente de Paso de Los Libres, Eduardo Alejandro Vischi entregaram uma pauta de reivindicações nas áreas de integração e, sobretudo, o empenho junto às autoridades para a necessidade da construção de uma nova travessia entre Uruguaiana e Paso de Los Libres, considerado um dos pontos mais importantes de ligação rodoviária entre Brasil e Argentina e, por conseqüência, o Chile.

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Para o engenheiro João Sother, a estrutura da ponte é absolutamente segura, pois foi construída dentro das normas de segurança dos países mais adiantados da época

O secretário-executivo da ABTI (Associação Brasileira de Transportadores Internacionais), José Elder Machado da Silva, lembra que, sem dúvidas, quando a atual ponte foi construída não se imaginava que o fluxo de cargas, passageiros e veículos evoluísse de tal maneira como está acontecendo. “Na época, o fato representou um enorme avanço político na área internacional, e, com justa razão, pois além da ligação rodoviária entre os dois países, foi estabelecido um marco nas relações diplomáticas”. Segundo ele, de lá para cá o comércio internacional evoluiu muito e que a ABTI está preocupada com a situação. Já propôs, inclusive, a adoção de medidas de contingência para a recepção de caminhões brasileiros pela Aduana Argentina. “Com isso eliminaríamos os congestionamentos hoje verificados, que ocorrem por uma questão exclusivamente operacional”. O fato é que a ligação entre os países, que hoje ainda é única, deve estar livre para o trânsito de qualquer interessado, afirma. Ressalta que nos primeiros sete meses do ano passado houve um incremento de 5%, nas operações sobre a ponte, onde circulam mensalmente 15000 mil caminhões.

Depois de ter atuado por cerca de 40 anos na unidade do atual DNIT (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes), em Uruguaiana, o engenheiro João Sother Celestino Alves, hoje aposentado, acompanha de perto os assuntos rodoviários da região. Segundo afirma, a estrutura da ponte é absolutamente segura, foi construída dentro das normas de segurança dos países mais adiantados na época, Estados Unidos, Alemanha e França. Além de uma ampla margem de segurança, uma vez que os engenheiros da época trabalhavam num projeto até então inédito no País. E, com as sucessivas vistorias e intervenções para a recuperação de eventuais danos à estrutura, está absolutamente tranqüilo. Lembra que para o leigo, o eventual volume de caminhões parados sobre a estrutura da ponte poderia representar um perigo. Todavia, ressalta, “na distância de um caminhão e meio existe um vão com um pilar”. Ou seja, o peso é diluído nos vários pilares da obra.

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Eliel Camargo lembra de uma vez que estava parado sobre a ponte, com a família no caminhão e ficou preocupado por causa da trepidação

O que falta, na opinião do engenheiro João Celestino Alves, é um melhor planejamento para o transporte por caminhões neste ponto da fronteira. Lembra que acostamentos das rodovias e mesmo o leito da ponte não podem servir como local para estocagem de caminhões, sem a mínima consideração com outros usuários. “É preciso haver um planejamento melhor e evitar que os caminhões fiquem tanto tempo parados, servindo como depósitos de cargas. Acredita que falta organização, por isso, ao menor problema, a situação na ponte e nos acessos vira um caos”.

Um dos principais defensores da necessidade de duplicação da ponte internacional, o despachante aduaneiro Manuel Ramirez – de nacionalidade argentina, porém residindo em Uruguaiana/RS – tem se empenhado em fazer palestras sobre o assunto e a liderar um movimento na tentativa de obter 70 mil assinaturas num documento a ser enviado às principais lideranças políticas do Brasil e Argentina. Com o apoio de clubes de serviço e entidades comerciais, ele trabalha na mobilização na defesa de uma nova ponte.

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Valter Patias transporta mensalmente para a Argentina e já perdeu a conta das vezes que ficou parado por mais de 30 minutos sobre a ponte

Segundo tem repetido em palestras, e em contatos com empresários, transportadores e políticos, a ponte foi projetada numa época em que os caminhões transportavam muito menos peso. “Mesmo assim, não passavam pela ponte porque ela foi projetada para os poucos automóveis que existiam naquele tempo e para o uso de pedestres, quando nem se sonhava com o movimento de aproximadamente 1 mil caminhões por dia”.

O carreteiro Eliel Nascimento de Camargo, de Barueri/SP, tem 27 anos, dois de profissão e um ano e meio no transporte internacional. Atualmente na rota de São Paulo a cidades do Chile, Argentina, passando pela ponte internacional ao menos uma vez por mês. Ele conta que é comum ficar trancado sobre a ponte após a liberação, simultânea, dos caminhões pela alfândega brasileira. “Não há um controle, todos saem ao mesmo tempo e acontece o inevitável”. Lembra que os congestionamentos costumam demorar entre meia hora e 40 minutos, até que o tráfego comece a fluir. Numa ocasião em que estava com a família a bordo chegou a ficar preocupado por causa da trepidação da ponte a cada movimentação de um caminhão. Reconhece que é uma situação complicada. Além disso, a ponte é muito estreita e é preciso cuidado ao cruzar com outro caminhão. Ou acaba perdendo o retrovisor ou arranhando os pneus nas proteções da mureta. Eliel considera que, de um modo geral, todas as pontes das rodovias brasileiras são perigosas, estreitas e muitas vezes em curvas.

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Sobre a ponte é preciso cuidado, porque a pista é muito estreita e há risco bater no acostamento ou enroscar o retrovisor no outro caminhão, adverte Mauri Rauzer

Natural de Giruá/RS, Valter Luiz Patias, 49 anos e 20 de volante, é dono de um Scania 91 e trabalha como agregado da Araçatuba, viajando entre São Paulo e Buenos Aires. Passa duas vezes por mês pela ponte, em Uruguaiana, e perdeu a conta das vezes em que ficou trancado por mais de meia hora, sem poder sair da cabine, e sentindo a vibração e oscilação de toda a estrutura da ponte. Ele reclama que é preciso esperar horas a fio na fila pela liberação da carga. Depois, quando são liberados, os carreteiros acabam entrando numa outra “tranqueira”, que se estende por toda a ponte. Mesmo admitindo que não tem medo da trepidação, confessa que vez em quando pensa; “E se essa droga resolve cair?” Logo pensa na Rio-Niterói, muito maior e com maior movimento e se tranqüiliza. “Afinal, o que se hay de hacer?”

Outro carreteiro acostumado às “tranqueiras” sobre a ponte é Mauri Rauzer, 50 anos e 32 de direção, natural de Santo Ângelo/RS. Ele viaja entre Rio de Janeiro e Puerto Montt, no Sul do Chile e reclama da falta de programação para a liberação dos caminhões pela aduana, e que acaba provocando os congestionamentos. Além do estresse de ficar parado por mais de uma hora sobre a ponte, há o perigo nos cruzamentos com outros caminhões. A pista é muito estreita e é preciso cuidado para não bater no acostamento ou enroscar o retrovisor ou a carreta no outro veículo, diz. Admite que mesmo que a estrutura tenha vistorias periódicas, ele se preocupa com o número de caminhões carregados e parados por muitas horas sobre a ponte. E quando começa a tremer, dá um aperto no estômago, afirma.

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O risco de ser assaltado enquanto está preso no congestionamento também é uma situação de perigo, alerta Moisés Oliveira, que já ficou até três horas parado sobre a ponte

Na opinião de Moisés da Silva Oliveira, 48 anos e 20 de profissão – que passa pela ponte três ou quatro vezes por mês – a travessia começou a piorar com o incremento do Mercosul e o conseqüente aumento no fluxo de caminhões entre Brasil e Argentina. Diz que não escapa uma viagem sem ficar trancado na ponte. Já aconteceu de ficar parado por até três horas, e com os vidros fechados, com medo dos assaltos. Ele lembra que já foi assaltado durante as longas esperas pela liberação de cargas. “A situação é de matar o peão”, afirma Moisés, que também critica a liberação dos caminhões de uma só vez, porque com essa prática causa confusão, ainda mais com a pista muito estreita. Ele também destaca o perigo ao cruzar com carretas que trafegam em sentido contrário”.

BRASIL E ARGENTINA

Elo de ligação viária entre Uruguaiana (Brasil) a Paso de Los Libres ( Argentina ), foi a primeira ponte construída entre os dois países e também a maior da América do Sul na década de 40. Um sonho de um grupo de comerciantes brasileiros e argentinos, que se tornou realidade com o lançamento da pedra fundamental com os presidentes Getúlio Vargas e Augustin Justo, a fim de facilitar o comércio já existente. Foi acordado que a construção da ponte seria dividida em duas partes iguais, ficando sob a responsabilidade de cada país a construção de sua parte, mas sendo utilizado o ferro brasileiro e cimento argentino. Essa foi uma demonstração da integração dos dois países. Além disso, seria Rodo-ferroviaria, com duas alamedas para pedestres. Em 21 de maio de 1947, a Ponte Internacional Augustin Justo – Getúlio Vargas foi inaugurada pelos presidentes Juan Domingo Perón(Argentina) e Eurico Gaspar Dutra (Brasil), contando com presença da primeira dama da Argentina, Evita Peron. A ponte mede 1.419 metros de extensão, e transformou a cidade de Uruguaiana o maior porto seco do País, passando por ela, uma media de 15 mil caminhões por mês(EO).