Por Evilazio Oliveira

No dia a dia do carreteiro, todas as despesas devem ser contabilizadas e dentro de uma regra básica de se fazer a maior economia possível, principalmente numa época de fraco desempenho da economia brasileira, frete baixo, alto custo do combustível e de manutenção do caminhão. Mesmo com toda atenção e controle, certos custos são praticamente inevitáveis, tais como as tarifas de pedágios e os cartões-frete, que foram criados para substituir as famigeradas cartas-fretes. Todavia, os cartões-frete continuam esbarrando nas mesmas exigências dos donos de postos de combustível, para o abastecimento de pelo menos 30% do valor total do adiantamento. E como a maioria das empresas trabalha com postos conveniados, é difícil o motorista optar por estabelecimentos onde o combustível seja mais em conta ou que possa oferecer outras vantagens.

Para conseguir algum dinheiro vivo é preciso abastecer até 35% do valor do adiantamento do frete, afirma o carreteiro Tiago Emanoel Flores
Para conseguir algum dinheiro vivo é preciso abastecer até 35% do valor do adiantamento do frete, afirma o carreteiro Tiago Emanoel Flores

Tiago Emanuel Flores, natural de Soledade/RS, tem 29 anos de idade, está há três anos no trecho e tem um caminhão caçamba ano 2012 que utiliza no transporte de safra. Ele tem vários cartões-frete, e os utiliza conforme as necessidades, porém, lamenta que seja preciso abastecer até 35% do valor do adiantamento para conseguir pegar algum dinheiro vivo. “Com o frete baixo, não sobra quase nada para as despesas pessoais ou para deixar algum dinheiro com a família”, explica. Outros cartões, no entanto, permitem saques nos caixas eletrônicos, mesmo assim cobrando taxas extras. “O motorista sempre acaba perdendo dinheiro”, ressalta.

É preciso pagar um percentual do valor movimentado mesmo sacando dinheiro em caixas eletrônicos com esses cartões, destaca Luiz Antonio de Menezes
É preciso pagar um percentual do valor movimentado mesmo sacando dinheiro em caixas eletrônicos com esses cartões, destaca Luiz Antonio de Menezes

O carreteiro Luiz Antônio de Menezes, 44 anos e 20 de profissão, natural de Serafina Correa/RS, que trabalha com uma carreta tracionada por um cavalo-mecânico fabricado em 2005, afirma que a utilização do cartão-frete é muito restrita. Prefere negociar os adiantamentos diretamente e abastecer onde os preços forem mais compensadores. Ele lembra que a maioria dos postos só aceita o cartão se o motorista abastecer 30 ou 30% do valor e muitas vezes ainda dão um troco em cheque ou vale para o motorista trocar em outro local. “É um absurdo, e tudo isso pagando também taxas pelo aluguel da máquina, pela demora que o dono do posto vai ter para receber o valor, essas coisas”, reclama. Menezes acrescenta que até para sacar dinheiro nos caixas eletrônicos com esses cartões o carreteiro precisa pagar um percentual sobre o valor movimentado.

Silvano Saibe diz que tem dois cartões-frete e que costuma abastecer o que é determinado pelo posto, entre 30 e 35% do valor do adiantamento
Silvano Saibe diz que tem dois cartões-frete e que costuma abastecer o que é determinado pelo posto, entre 30 e 35% do valor do adiantamento

O estradeiro Silvano Saibe, 35 anos de idade e 10 de profissão, natural de Carlos Barbosa/RS, transporta grãos e utiliza dois cartões-frete, mas não reclama. Diz que os patrões depositam o valor do adiantamento e costuma abastecer o que é determinado pelo posto, entre 30 e 35% do valor do documento e segue viagem. “Afinal, sem combustível o caminhão não anda”, diz conformado e sem queixas.

O autônomo José Carlos Mânica considera um absurdo as diferenças de preço para o combustível pago a vista e a prazo
O autônomo José Carlos Mânica considera um absurdo as diferenças de preço para o combustível pago a vista e a prazo

O autônomo José Carlos Mânica, 55 anos de idade e 35 de profissão, natural de Sarandi/RS, parece resignado às exigências dos donos dos postos e ao pagamento de taxas extras ao movimentar dinheiro nos caixas eletrônicos. “Não tem outro jeito”, ressalta. Mesmo assim, considera um absurdo que os preços do óleo sejam diferenciados para o pagamento à vista, pagamento com cartão de crédito ou cartão-frete. O preço para o cartão-frete sempre é o mais alto, penalizando o motorista cada vez mais. “Se não se sujeitar a esses abusos não dá para trabalhar”, afirma.

Na opinião de Fábio Cezar Garcia, os cartões oferecem vantagens, mas aumentam a despesa com combustível por causa do abastecimento com percentual
Na opinião de Fábio Cezar Garcia, os cartões oferecem vantagens, mas aumentam a despesa com combustível por causa do abastecimento com percentual

Sem nunca ter usado carta ou cartão-frete, Fábio Cezar Garcia Nogueira, 42 anos de idade e 24 de profissão, natural de Ponta Porã/MS, afirma que costuma receber 80% de adiantamento e toca a viagem abastecendo nos locais de sua preferência, sem se submeter às exigência dos donos de postos. Acredita que os cartões têm algumas conveniências, como evitar que o motorista viaje com dinheiro vivo, porém, tem opinião de que aumenta muito a despesa com combustível mais caro, com a necessidade de abastecer um percentual pré-determinado e ao final não sobrar nada de dinheiro para despesas pessoais ou para deixar com a família. Diz que prefere o adiantamento em dinheiro.

Para o carreteiro Edgar Balestrerri, depósitos feitos no cartão do banco evitam as taxas extras cobradas nas bombas de combustível e no caixa eletrônico
Para o carreteiro Edgar Balestrerri, depósitos feitos no cartão do banco evitam as taxas extras cobradas nas bombas de combustível e no caixa eletrônico

Para o carreteiro Edgar Balestrerri, 54 anos de idade e 37 anos de volante, Natural de São José do Herval/RS, a situação está complicada e tudo precisa ser muito organizado, até nas despesas com as refeições na caixa-cozinha. Ele também trabalha com cartões-fretes e está sujeito às exigências dos postos de combustíveis, ao pagamento de taxas, principalmente se fizer movimentação nos caixas eletrônicos. Por isso é necessário que os depósitos de adiantamento sejam feitos no cartão particular, escapando das taxas extras na bomba ou no caixa eletrônico. “É preciso ser organizado e saber economizar”, conclui.

Ter de abastecer para sacar é ilegal

A prática de determinar o abastecimento de combustível em troca de “dinheiro vivo” se assemelha à extinta carta-frete e não condiz com as regras estabelecidas pela a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), dizem empresas que atuam no segmento de pagamento eletrônico. Marcos Nogueira, diretor comercial da DBTrans e da CTF, afirma que tal prática deve ser coibida, porque prejudica o motorista. Ele destaca que o cartão da empresa permite saque em caixas eletrônicos do valor integral, além da possibilidade de usar o cartão- frete para pagar as despesas de viagem ou para consumir em mais de 1,8 milhão de estabelecimentos credenciados.

Ele explica que todas as regras e condições para recebimento do pagamento de frete são acordadas diretamente entre a empresa e o carreteiro, sem qualquer interferência. Cita também que através do portal Rodocred, o contratante do frete programa o adiantamento e a quitação, além dos valores para abastecimento, antecipação do vale-pedágio e valores para cobrir outras despesas. “Ao invés de ter de ir até um posto para trocar o cheque, ou a carta-frete, carreteiro recebe o dinheiro do frete em uma conta e usa o valor como quiser, sem vínculos”, reforça. O cartão da empresa pode ser usado para saque em qualquer estabelecimento conveniado, terminais eletrônicos (banco 24h) ou rede credenciada, sem ter de consumir. O cartão é aceito em toda a rede MasterCard e pode ser usado também para transferências para conta bancária, pagamento de boletos e carregar celular.

CARTA FRETE 7

De acordo com ele, infelizmente devido à fraca fiscalização ainda há empresas operando de modo ilegal. mas também há motoristas que preferem pagamento em papel, apesar de a legislação ter sido feita para beneficiá-los.

Rubens Naves, CEO da Repom, diz que desde 2011 o motorista que utiliza o cartão da Repom pode sacar em caixas eletrônicos Bradesco e HSBC (identificados com a Rede Cirrus), além de postos credenciados (rede estrada), alternativa isenta de tarifação, com contrapartida de abastecimento; transferir o valor e consumir através da rede Mastercard além de ter um cartão adicional para a família. Naves explica que o cartão Repom é aceito em todos os estabelecimentos que trabalham com a bandeira Mastercard, podendo ser efetuada qualquer tipo de compra, desde diesel até pagamento de um almoço. Acrescenta que além da aceitação ampla, o cartão oferece mais de 1300 postos (Rede Estrada) com serviços especializados, localizados nas principais rotas de escoamento de carga do País. “Nestes locais o carreteiro pode, inclusive, comprovar a entrega da carga e evitar gastos para se deslocar até o contratante” afirma, acrescentando que o caminhoneiro não está ainda acostumado a utilizar a cobertura.

Em sua opinião, apesar de todas as vantagens do cartão, o motorista ainda não se sente esta à vontade com essa nova modalidade de recebimento de frete. Justifica que o motivo se deve os muitos anos que a carta-frete manteve o motorista fora da economia formal, sem comprovação de renda, tornou-se mais que um hábito e disseminou-se como uma cultura da informalidade. Sugere a necessidade de um trabalho de orientação a longo prazo, tanto da iniciativa pública quanto da privada e afirma que a Repom está trabalhando em ações para apoiar os motoristas com campanhas e orientação nas unidades do Clube Estrada Repom, além de possuirmos uma equipe dedicada a estas instruções”, concluiu.

Em relação às citações de motoristas que afirmam serem obrigados a abastecer para conseguir sacar o valor do adiamento do frete, a ANTT se pronunciou esclarecendo o seguinte: pela leitura do quadro exposto, podemos inferir que o caminhoneiro está tentando “sacar” dinheiro no posto de combustível, procedimento que não é legal, visto configurar prática de serviços financeiros em estabelecimento não credenciado pelo Banco Central para tal atividade. Quanto a alegada dificuldade para sacar dinheiro, o caminhoneiro pode entrar em contato com Ouvidoria da ANTT (pelo telefone 166 ou pelo e-mail: [email protected]), fornecendo o nome da empresa Administradora de Meios de Pagamento e o local ou locais onde ele teve problemas” (Daniela Giopato)